Título: Brasil reage às ameaças européias
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Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Agronegócios, p. B11

O governo brasileiro já tem na ponta da língua todas as respostas aos questionamentos da União Européia para evitar a imposição de barreiras a produtos nacionais. A UE, maior cliente do agronegócio nacional, alega problemas nos controles e garantias oferecidas pelo Brasil em questões de resíduos e contaminantes de produtos alimentícios. E ameaça fechar as portas do bloco para os produtos brasileiros.

O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, prometeu aos europeus enviar uma "missão especial" para esclarecer todos os pontos do Programa Nacional de Controle de Resíduos (PNCR) para 2006. "É mais fácil discutir questões técnicas pessoalmente. Além disso, vem um assessor da embaixada de Bruxelas para discutir detalhes", disse ao Valor. "Tecnicamente, qualquer embargo geral não tem nenhuma sustentação".

Maciel creditou o episódio a um "desencontro de informações", e afirmou que todos os "detalhes adicionais" solicitados pela UE foram respondidos antes do prazo final. "Tínhamos até o dia 11 de julho para enviar o plano. Eles queriam saber o cronograma, as formas e as maneiras de operação, além dos prazos e metodologias, para pescados, camarão, carne eqüina e aves".

Maciel informou que, em 2005, o PNCR atendeu a 93,4% das metas desenhadas para o monitoramento de bovinos, suínos, eqüídeos, aves, ovos, peixes, crustáceos e mel. Foram analisadas 14.163 amostras para dez resíduos e contaminantes. Neste ano, devem ser analisadas 19.713 amostras. "Em 2003, só foram 4,6 mil", comparou ele.

Em reunião na manhã de ontem (dia 13) com o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, o secretário falou com a embaixadora da UE, Maria Celina de Azevedo Rodrigues. Segundo ele, a embaixadora não recebeu qualquer comunicado oficial da UE sobre o assunto. "Sabemos que há muitas pressões de Irlanda, Reino Unido e Holanda [...] Pode ser argumento comercial porque falam de destruição de florestas, de trabalho escravo, assuntos preferidos de ONGs". Segundo ele, com a "posição do Brasil" de grande produtor mundial de alimentos, há uma "tendência" de procurar barreiras.

A UE, por sua vez, informou que vai decidir em setembro ou outubro se amplia a proibição a comercialização de produtos alimentares do Brasil no mercado europeu por falta de controle sanitário. Hoje, Bruxelas já interdita a entrada da carne bovina do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo, por causa da aftosa, além de mel e carne de animais selvagens.

"A Europa está exasperada com essa situação no Brasil", disse o porta-voz para assuntos de saúde e proteção dos consumidores, Philip Tod, referindo-se a "promessas não cumpridas" por parte do país para garantir a segurança dos alimentos que exporta. Ele reiterou que a UE analisará de maneira "muito critica" as medidas de Brasília.

A UE está sob crescente pressão de parlamentares, associações agrícolas e de consumidores para reagir contra o Brasil. Na terça-feira, foi a vez da poderosa central agrícola Copa-Cogeca divulgar um comunicado pedindo a "proibição imediata" de produtos agrícolas brasileiros, baseando-se em "disfuncionamentos" sanitários revelados por relatório da Divisão Alimentar e Veterinária (OAV) da UE.

O relatório, de dezembro de 2005 - já respondido pelo governo brasileiro, como afirmou Gabriel Maciel - é crítico e reclama que voltou a encontrar a maioria das deficiências já detectadas em 2003 no sistema de controle sanitário, principalmente de medicamentos veterinários e hormônios. Exemplifica com exportação de mel para a UE sem testes, exportação de ovos sem aprovação de plano de controle de resíduos pelos europeus e a descoberta de que carne suína vem sendo exportada desde 2005, contrariando as regras de saúde animal da UE. Tudo isso "minou" a confiança européia na capacidade brasileira de garantir a qualidade das vendas de alimentos.

A Copa-Cogeca, por sua vez, destaca que aditivos interditados na Europa são usados na alimentação animal vendida à UE. E que o sistema de controle brasileiro é "precário".

O porta-voz Philip Tod diz que a UE não será influenciada pelas posições das associações e de deputados, mas por análise de garantia da saúde pública e animal. Mas considera especialmente irritante o fato de em 2003 o Brasil já ter prometido tomar ações, em vão. O comissário europeu para questões de saúde e proteção do consumidor, o chipriota Markos Kiprianou, segue pessoalmente a situação. Segundo ele, é inaceitável que os controles não tenham melhorado mesmo após advertências ao governo brasileiro. "Sem garantias adequadas, podemos suspender outros produtos", reiterou.

Os europeus admitem que problemas ocorram de vez em quando. Mas com o Brasil tudo toma dimensão maior, porque o país é um dos principais fornecedores de alimentos para a UE. A Irlanda, que perdeu mercado para a carne brasileira durante a crise da vaca louca, nao cessa de atacar os brasileiros, com campanhas sistemáticas de acusações baseadas justamente em relatórios da UE.(MZ e AM)