Título: Mario Monti aceita missão mais espinhosa da Europa
Autor: Meichtry, Stacy
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2011, Internacional, p. A9

Mario Monti começou a trabalhar para formar um novo governo de unidade nacional para a Itália, à medida que o país se esforça para tentar restaurar a credibilidade de seus políticos antes que os mercados abram hoje.

Economista de 68 anos de idade, mais conhecido por seu mandato como regulador antitruste da União Europeia na década passada, Monti será responsável pelo que talvez seja a tarefa mais difícil que qualquer um dos líderes do continente enfrenta hoje: reduzir a dívida esmagadora do setor público italiano sem privar o país do crescimento de que necessita para continuar a pagando essa dívida.

O desempenho de Monti poderia determinar o futuro da moeda única europeia. Por causa do tamanho da Itália, a terceira maior economia do bloco do euro, depois da Alemanha e França, outros países europeus provavelmente não seriam capazes de resgatar Roma, seguindo os passos da Grécia, Irlanda e Portugal.

"Precisamos corrigir a situação financeira da Itália, e reiniciar o crescimento, ao mesmo tempo prestando especial atenção à criação de uma sociedade justa", disse Monti em um discurso dentro de uma sala dourada do Palazzo del Quirinale, um palácio da era do renascimento, pouco depois de o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, pedir-lhe para liderar o novo governo. "Devemos isso aos nossos filhos".

Monti disse que vai nomear seu gabinete rapidamente. Antes que a nova administração possa começar a funcionar, ele precisa da aprovação de ambas as casas do Parlamento, uma luz verde que deve ser dada em poucos dias.

A nomeação de Monti foi imediatamente bem recebida por líderes europeus. O chefe da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o Presidente da União Europeia, Herman Van Rompuy, divulgaram um comunicado dizendo que era um "sinal mais encorajador [...] de determinação das autoridades italianas para superar a crise atual".

No entanto, o primeiro teste real de se as mudanças em Roma vão convencer os mercados deverá acontecer na segunda-feira, quando a Itália planeja vender até € 3 bilhões (US$ 4.13 bilhões) em títulos federais com vencimento em cinco anos. Na semana passada, os custos de empréstimos da Itália subiram para o seu ponto mais alto desde 1997, atingindo níveis que obrigaram Portugal e Grécia a procurar ajuda.

O primeiro ministro Silvio Berlusconi renunciou ao cargo no sábado, fechando o ciclo de uma das lideranças mais ousadas e controvertidas do Ocidente, horas após o Parlamento aprovar um pacote de medidas de austeridade que a União Europeia havia exigido.

O sucesso de Monti em tirar a Itália da estagnação econômica vai depender da obtenção de um amplo apoio do dividido parlamento - e de se ele conseguirá manter esse apoio enquanto força a economia italiana de volta aos trilhos, alinhada aos seus parceiros mais fortes no continente.

As mudanças devem incluir propostas polêmicas para flexibilizar o restritivo mercado de trabalho italiano, bem como a burocracia que vem estrangulando os negócios no país por décadas.

Monti vai enfrentar imediatamente pressões por parte de algumas forças do partido conservador de Berlusconi, e também do separatista Partido da Liga do Norte. A questão é como ele decidirá distribuir os assentos em seu governo, de modo que haja espaço suficiente para que a maior parte das facções e partidos políticos sejam representados.

Umberto Bossi, chefe da Liga do Norte, reiterou ontem que seu partido não vai dar apoio imediato a um possível governo liderado por Monti. "Por enquanto, dizemos não", afirmou. E acrescentou que o partido votará no Parlamento de acordo com o apoio dado ao governo liderado por Monti.

Angelino Alfano, secretário do partido de Berlusconi, disse a um programa de entrevistas no domingo que daria suporte condicional a um governo de emergência, a fim de puxar a Itália para fora da crise da dívida da zona do euro.

A duração do possível mandato de Monti depende de quão rápido ele conseguirá fazer a economia italiana se recuperar. Alfano ressaltou que seu partido vai pressionar por eleições "assim que o programa (do governo de emergência) se concretizar".

Os italianos lotaram as ruas do centro de Roma no sábado, assobiando, gritando e vaiando Berlusconi, o primeiro-ministro de 75 anos, enquanto sua comitiva rumava ao Palazzo del Quirinale para entregar sua renúncia ao presidente Napolitano. A manifestação de desprezo coletivo foi um adeus melancólico para a carreira política de 17 anos de um homem que há muito se orgulhava de sua capacidade de fazer os italianos rirem. "Estou muito chateado", teria dito Berlusconi a um assessor, segundo a agência de noticias italiana Ansa.

Para o novo primeiro-ministro Monti, velocidade será crucial. Nos últimos meses, os investidores vem abandonando os títulos da dívida italiana. Agora, os mercados globais estão procurando por sinais de que um novo governo conseguirá resolver os problemas-chave da economia italiana: mercado de trabalho restrito e a burocracia que atravanca os negócios; um sistema previdenciário que pesa sobre as finanças nacionais, e uma vasta e disseminada evasão fiscal.

Monti, que tem trabalhado como professor de economia há vários anos, tem o apoio de deputados de várias vertentes políticas - inclusive de alguns do partido de Berlusconi. Gianni Alemanno, prefeito de Roma, é um deles. Ele disse, no sábado, que o partido apoiaria um governo interino liderado por Monti - mas apenas enquanto necessário para implantação de mudanças na economia.

As eleições italianas não estão previstas antes da primavera de 2013, portanto um governo interino teria que durar até lá. No entanto, muitos dos aliados de Berlusconi gostariam de uma eleição nacional antes.

Ontem, Berlusconi prometeu permanecer na cena política, e o fez ao estilo que o tornou famoso: uma mensagem transmitida pelas principais redes de televisão da Itália. "A Itália é um país que eu amo", disse Berlusconi, minutos antes de Monti fazer seu próprio discurso. "Para todos aqueles que celebraram minha partida, agora eu digo que vou dobrar meu esforço para tornar a Itália um lugar melhor".

Berlusconi afirmou que ele e seu partido vão apoiar Monti, desde que seu governo seja interino, composto por especialistas e não uma administração com ambições políticas.