Título: De olho nos clubes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2006, Eu &, p. D1

O mercado de capitais foi surpreendido no início do mês pela denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro acusando diretores e o presidente do Clube de Ações dos Funcionários da Vale do Rio Doce (InvestVale) de terem se aproveitado dos cargos para ganhar com operações da carteira de ações criada na época da privatização da empresa. Segundo o Ministério Público, um grupo de diretores teria criado uma taxa sobre a venda de ações do clube, que arrecadou R$ 35 milhões e foi parar no bolso deles mesmos. Outros, segundo as autoridades, teriam se aproveitado de informação privilegiada para comprar cotas de investidores por preços mais baixos e depois revendê-las com lucros enormes.

O InvestVale não segue o modelo típico da maioria dos clubes de ações existentes no mercado, que registram crescimento expressivo nos últimos anos e já reuniam em junho 1.492 carteiras. Mesmo assim, o caso acendeu uma luz amarela com relação à fragilidade dos clubes de ações, uma vez que nem a Bovespa, que fiscaliza essas carteiras, nem a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nem o administrador, a corretora mpresa>Máximampresa>, conseguiram impedir os problemas, que envolviam decisões de assembléias de cotistas. Após denúncias de investidores, o caso foi investigado pela Bovespa e CVM, mas coube ao Ministério Público agir.

A CVM tem um projeto de aumentar o controle sobre os clubes de ações. Ao mesmo tempo, a Associação Nacional das Corretoras (Ancor) e a autarquia discutem uma proposta que pode ajudar nesse controle. A Ancor quer melhorar o acompanhamento dos intermediários do mercado de captais e dos clubes de ações, para se tornar a entidade responsável pela auto-regulação do setor, afirma Homero Amaral Júnior, novo presidente da entidade. A primeira medida será criar um departamento de estudos e projetos que ficará a cargo do ex-superintendente-geral da Bovespa Gilberto Biojone. Ele se encarregará de criar mecanismos para acompanhar as corretoras e os clubes por elas administrados, além de agentes autônomos, distribuidoras e corretoras de futuros.

O primeiro passo será reformular o código de ética da entidade, tornando-o mais abrangente para o setor de intermediação como um todo, explica Amaral. O texto terá por base ainda os códigos da Bovespa e da BM&F. Será criado então um selo de qualidade para as corretoras que servirá de referencial para os investidores. Ao mesmo tempo, a Ancor terá uma equipe para coletar os dados das corretoras e clubes e montar estatísticas e verificar se os procedimentos éticos estão sendo cumpridos.

O projeto coincide com a tendência de ampliação do mercado de bolsa para o restante do país, o que implicará em mais agentes autônomos e corretoras em estados que não Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul. A Ancor quer também se consolidar como centro de certificação e de preparação dos profissionais de corretoras e agentes autônomos, com cursos eletrônicos e parcerias para certificação em outros estados além de São Paulo e Rio. A previsão é chegar a Minas Gerais, Paraná, Ceará e Rio Grande do Sul ainda este ano, diz Biojone.

A entidade quer também que os clubes cumpram a função de servir de instrumento de aprendizado para quem nunca comprou ações começar a investir. Amaral lembra que os clubes - diferentemente dos fundos de ações, que captam recursos junto ao público em geral e por isso precisam publicar balanços e ter registro na CVM - devem ser formados por grupos com algum tipo de afinidade. Amigos do futebol, amigas do trabalho, do clube, famílias, todos deveriam ter alguma ligação além do clube de ações. Há também um limite de 150 cotistas por clube, que só pode ser superado em caso de carteiras criadas para empresas específicas, e que não existe nos fundos. "Os clubes têm de ser como uma ação entre amigos, administrados pelos próprios participantes, fora disso estão sendo desvirtuados", diz.

Essa visão pode criar problemas para alguns tipos de clubes que não exigem essa afinidade. Algumas corretoras têm clubes de ações abertos a qualquer pessoa, o que permite juntar grupos sem qualquer conhecimento prévio, como acontece nos fundos de ações. Nesses clubes-fundos, quem faz a gestão é a própria corretora, que define os papéis a serem comprados e vendidos mensalmente e avisa os cotistas do que vai fazer. A diferença em relação ao fundo é que esses clubes são fiscalizados pela Bovespa, não pela CVM, e não tem de publicar balanços nem ter auditores.

A proposta da Ancor é criar um conselho de ética que julgará corretoras e agentes autônomos. Algumas discussões também poderão ser resolvidas pelo código de ética, como o cancelamento de uma operação feita por engano por uma corretora, por exemplo. "Hoje, quem ganhou com a operação não é obrigado a devolver o lucro, o que é legal, mas não é ético".

Outra questão é a forma como os produtos das corretoras são oferecidos, desde clubes até o investimento em ações. "Vamos acompanhar, por exemplo, a abordagem dos clientes pelos agentes autônomos, se ele alerta o investidor para os riscos de determinadas operações, como opções", diz Biojone.

Além disso, a Ancor quer ampliar a atuação das corretoras no segmento de renda fixa. Uma das idéias, sugerida para a CVM, é que as corretoras possam ter, além dos clubes de ações, também clubes de renda fixa, onde o dinheiro do cliente ficaria nos momentos de mercado acionário ruim ou até como diversificação. Os clubes poderiam usar o Tesouro Direto para as aplicações ou o mercado de renda fixa da Bovespa. Seria uma forma de evitar que os clientes voltem para os bancos.