Título: Brasil vai oferecer compensações
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2004, Brasil, p. A-6

O Brasil vai rejeitar a proposta da Argentina de adoção de salvaguardas no comércio entre os dois países. Na avaliação do governo brasileiro, as salvaguardas são um "retrocesso" e, na prática, podem inviabilizar o Mercosul. Em reunião amanhã, em Buenos Aires, missão brasileira chefiada pelo secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, deixará claro que as salvaguardas são inaceitáveis, mas oferecerá compensações aos argentinos. Apesar da rejeição das salvaguardas, o governo Lula pretende contornar diplomaticamente os problemas surgidos nos últimos anos no relacionamento com o país vizinho. Dentre as compensações em estudo, consta a possibilidade de o BNDES passar a financiar projetos que ajudem a integrar as cadeias produtivas dos dois países. Esta seria uma maneira de evitar a migração de indústrias para o Brasil. O governo brasileiro vai propor também a criação de mecanismos de monitoramento macroeconômico que resultem, ao longo do tempo, em inflação e taxa de câmbio convergentes nos dois países. Uma maior coordenação macroeconômica ajudaria a diminuir os desequilíbrios comerciais provocados por movimentos no câmbio. "Há outras soluções melhores e mais criativas (do que as salvaguardas), como uma política industrial comum", disse ontem, em Cuzco, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, segundo relato da Agência Brasil. "O Brasil não é um país que sai dizendo não. Ele sabe negociar, é diplomático nas relações internacionais." Propostas em setembro pelo ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, as salvaguardas restringiriam o comércio entre Brasil e Argentina todas as vezes em que o intercâmbio de mercadorias entre os dois países crescesse de maneira desfavorável a uma das partes. Lavagna sugeriu a adoção de mecanismos compensatórios automáticos para situações de desequilíbrio provocadas por grandes variações na taxa de câmbio ou na taxa de crescimento das duas economias. O ministro argentino propôs também a criação de um "código de consulta" para impedir que multinacionais desviem seus investimentos da Argentina, em benefício do Brasil. O governo brasileiro considera "inaceitáveis" todas essas propostas. "Salvaguardas são um retrocesso teórico na constituição de uma união aduaneira como a que se pretende criar com o Mercosul", explicou um assessor do governo brasileiro. Na questão cambial, Lavagna fez alusão à busca de um "câmbio natural" nas relações entre os dois países. Os técnicos brasileiros refutam inteiramente essa tese. "Os dois países possuem regimes de câmbio flutuante. Nesses regimes, não existe 'câmbio natural'", explica um técnico. No que diz respeito a taxas distintas de crescimento econômico, um assessor brasileiro lembra que, em 1995, quando a Argentina sofreu fortemente os efeitos da crise mexicana, o que a ajudou a sair da crise foi justamente exportar mais para o Brasil. Isso aconteceu porque a economia brasileira estava crescendo naquele ano, impulsionada pelo Plano Real, e também porque a taxa de câmbio do real, valorizada, favoreceu a compra de produtos argentinos. Se os mecanismos de salvaguarda estivessem em funcionamento, a Argentina, diz o assessor, não teria se beneficiado daquele momento da economia brasileira. "Mecanismos intra-regionais das zonas de livre-comércio ajudam a harmonizar as taxas de crescimento", sustenta um assessor. De setembro, mês em que Lavagna veio a Brasília propor a adoção de salvaguardas, para cá, a situação do comércio entre Brasil e Argentina mudou. Há razões para isso. Uma delas é a taxa de câmbio. Nesse período, o real sofreu valorização em relação ao dólar - ontem, a moeda americana fechou cotada a R$ 2,75. A moeda argentina, por sua vez, está menos valorizada - lá, um dólar vale 2,90 pesos. Por causa disso, as exportações argentinas para o Brasil ganharam competitividade nos últimos meses. De fato, entre janeiro e outubro deste ano, a Argentina exportou U$ 3,120 bilhões para o mercado brasileiro, mais do que vendeu em todo o ano passado (US$ 3,057 bilhões). Ainda assim, os números estão longe do resultado alcançado em 1997, ano em que os argentinos exportaram US$ 7,267 bilhões ao Brasil. Por outro lado, as exportações brasileiras para a Argentina estão batendo recorde em 2004. Nos dez primeiros meses do ano, atingiram US$ 6,026 bilhões, consolidando-se como as que mais cresceram no período. A expectativa do governo é que fechem o ano em torno de US$ 7,3 bilhões. Os brasileiros acham que, na reunião de amanhã, os argentinos levarão em consideração o novo ambiente econômico. "Muitos dos temas levantados em setembro estão desaparecendo", diz um assessor. Por isso, a missão brasileira insistirá com seus colegas argentinos na tese de que a comissão bilateral criada para solucionar problemas específicos do comércio vem funcionando bem. "Funcionou na área têxtil e para alguns produtos da linha branca", assinalou um técnico. Mesmo rejeitando as salvaguardas, não passa pela cabeça de ninguém no governo brasileiro endurecer o diálogo com os argentinos. Uma prova disso está na missão que estará em Buenos Aires nessa sexta-feira. Além do embaixador Samuel Guimarães, integrarão a missão, entre outros, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, os secretários de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz Pereira da Silva, e do Planejamento, Luiz Carlos da Rocha Miranda, além do assessor especial da Casa Civil, embaixador Américo Fontenele.