Título: "A autonomia do partido é intocável", diz Lula
Autor: Maria Lúcia
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2004, Política, p. A7

O governo assiste à cada passo da intrincada movimentação no PMDB com uma certeza: tudo não passa de uma disputa interna por poder, ou seja, os políticos da legenda que hoje não têm influência nem trânsito livre no Palácio do Planalto querem passar a tê-los, e decidiram esticar a corda para mudar os interlocutores junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os que já têm força política e representatividade neste governo querem ficar exatamente onde estão. Desta forma, as ameaças dos pemedebistas que estão "do lado de fora" não assustam, até porque, no núcleo do governo, ninguém aposta que há unidade entre essas alas rebeldes do PMDB. Sendo assim, não há sinal vermelho aceso no Palácio. Na reunião de ontem da Executiva Nacional, um político indagou quem tinha saído vitorioso, afinal. "Acho que fomos todos derrotados", outro respondeu, meio confuso. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou ainda mais explícita essa lógica com que o governo interpreta as decisões de ontem. Em Cuzco, no Peru, durante o III Encontro de Presidentes da América do Sul, afirmou que a saída do PMDB do governo não representa o fim da governabilidade. "A autonomia do partido é intocável. Eles têm que ter liberdade para decidir o que querem. Ficar ou não na base do governo é uma decisão do partido. Eu respeito e não me meto", afirmou o presidente. Segundo Lula, o Congresso continuará votando com o governo, mesmo se houver a saída do PMDB. O governo sabe que precisa do apoio dos pemedebistas, quer o PMDB institucionalmente na base, mas confia naqueles que hoje já estão "do lado de dentro". Isso quer dizer que, se oficialmente o PMDB declarar que está saindo da base, tudo continua como antes. As dissidências no partido, que sempre ocorreram, permanecem. Os pemedebistas - ministros e parlamentares - com força no governo mantêm as mesmas posições. A confusão no PMDB aumentou neste momento, de acordo com interlocutores de Lula, porque os políticos não tão bem relacionados no Palácio do Planalto e afoitos por poder conseguiram uma união temporária com os independentes - sobretudo os governadores, com vários pleitos localizados e insatisfações políticas regionais - e com os "rebeldes radicais", ou seja, o grupo pemedebista ligado ao PSDB, que teve o poder no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O adversário comum de todas essas alas do PMDB, analisa uma fonte, são os políticos do partido que hoje já estão "do lado de dentro". As decisões singulares e confusas da Executiva Nacional do PMDB refletem esse cenário. A estratégia do governo, com base nessa avaliação, é minar ao máximo essa frágil união das alas oposicionista e independente no PMDB. É por isso que ministros têm conversado com governadores do PMDB. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, dialoga com o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. Aldo Rebelo, da Coordenação Política, já conversou com o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique. Da Casa Civil, o ministro José Dirceu toca outra bateria de diálogos. A aproximação com Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul, tem sido uma das mais difíceis. Os ministros do PMDB não vão entregar os cargos, e Lula já avisou que fará a reforma com cautela. "Nada será feito de forma precipitada. O Brasil entra em ano pré-eleitoral. Cabe ao presidente não permitir que as eleições permeiem a sua atuação no ano de 2005", declarou ontem em Cuzco. "Não estou preocupado com reforma ministerial e nem com eleição", emendou.