Título: A ação do governo contra os "spreads
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Brasil, p. A2

O governo prepara o lançamento de um pacote de medidas para incentivar a redução dos juros cobrados de empresas e consumidores e aumentar a oferta de crédito. Uma das medidas em estudo é a redução do percentual recolhido pelos bancos ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC), um dos componentes do chamado "spread" bancário.

A proposta foi debatida em duas reuniões realizadas no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dos ministros da área econômica e dos dirigentes de bancos estatais. Intrigado com o fato de o Banco Central ter reduzido a taxa básica de juros (Selic) em cinco pontos percentuais, desde setembro de 2005, sem que os "spreads" tenham se reduzido na mesma velocidade, Lula convocou os dois encontros e cobrou providências.

Na primeira reunião, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fez uma exposição detalhada sobre a composição dos "spreads" e mencionou que os bancos vêm reivindicando a redução das contribuições ao FGC. A medida ajudaria a diminuir os juros, uma vez que os bancos repassam o custo dessas contribuições aos tomadores de crédito. O presidente determinou, então, que o governo estudasse o assunto. Trata-se de um avanço porque há tempos o FGC, que é gerido por representantes dos bancos, vem tentando convencer o Conselho Monetário Nacional (CMN) a diminuir o valor das contribuições.

O FGC foi criado há dez anos, na esteira da crise de liquidez que resultou na quebra de várias instituições financeiras. O fundo é constituído por contribuições mensais dos bancos, equivalentes a 0,025% dos saldos médios das obrigações garantidas (depósitos à vista, cadernetas de poupança, depósitos a prazo e letras de câmbio, imobiliárias, hipotecárias e de crédito imobiliário). Em 12 meses, isso corresponde a 0,30% dos saldos médios desses depósitos.

Na última vez em que o Conselho de Administração do FGC sugeriu mudanças ao CMN, a idéia era diminuir as contribuições de 0,025% ao mês (0,30% ao ano) para 0,0833 (0,10% ao ano). Com a queda dos juros nos últimos anos, as contribuições dos bancos para o fundo tornaram-se um item relevante na composição dos spreads bancários. Desde a criação do fundo, o percentual recolhido pelos bancos nunca se alterou. Como nos últimos anos os episódios de quebra de bancos diminuíram de forma sensível, as disponibilidades do FGC cresceram, criando uma situação confortável.

FGC já pode suspender contribuições Pelas regras do FGC, toda vez que as disponibilidades do fundo chegarem a 2% dos saldos médios dos depósitos garantidos, o Conselho de Administração pode suspender, temporariamente, o recolhimento das contribuições. Os administradores do fundo calculam que, no fim de agosto, as disponibilidades do fundo atingirão R$ 11,223 bilhões, montante superior aos 2% dos saldos médios.

Em tese, o FGC, nesse caso, pode tomar a decisão de suspender as contribuições sem consultar o CMN, mas dificilmente fará isso porque sabe da resistência do Banco Central. As autoridades têm razões para agir com prudência nessa área. A lembrança de grandes bancos quebrando no início do processo de estabilização da economia, há pouco mais de dez anos, com a imposição de enormes custos à sociedade e de forte desgaste à imagem do Banco Central, ainda está viva na memória de muitos.

A solidez do sistema bancário neste momento recomenda, no entanto, maior flexibilidade a essas mesmas autoridades. Graças à queda dos juros e ao lançamento de mecanismos criativos, como o crédito consignado, a oferta de crédito está crescendo de forma acelerada. Nos últimos três anos e meio, expandiu o equivalente a 8,2 pontos percentuais do PIB (cerca de R$ 160 bilhões).

É importante registrar que essa não é uma obra exclusiva do governo atual. Na gestão anterior, quando Armínio Fraga presidiu o Banco Central, a oferta de crédito com recursos livres, isto é, sem contar com os empréstimos direcionados (financiamentos rurais e habitacionais e os créditos do BNDES), explodiu. E, o que é muito positivo, continuou crescendo no período seguinte - entre dezembro de 1999 e junho de 2006, saltou de 8,7% para 22% do PIB.

Além de mexer nas contribuições ao FGC, o governo deverá também alterar a legislação sobre alienação fiduciária, tornando mais fácil para os bancos retomar imóveis de clientes inadimplentes com o pagamento de financiamentos habitacionais. Mesmo as mudanças já feitas em leis como a de Falências não conseguiram quebrar um velho tabu da Justiça brasileira: o de não autorizar a retomada do imóvel financiado de clientes inadimplentes, mas detentores de apenas uma residência.

Outra medida em estudo com vistas à redução dos spreads, esta por sugestão do presidente do Banco do Brasil, Rossano Maranhão, prevê a regulamentação do crédito consignado para empresas.