Título: País se prepara para recorrer à OMC contra subsídios dos EUA ao algodão
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Brasil, p. A2

O governo brasileiro está com petição praticamente pronta para fazer a primeira contestação de subsídios agrícolas dos EUA depois do fiasco da Rodada Doha: será abertura de novo caso no Tribunal de Solução de Controvérsias da Organização Mundial de Comércio (OMC) sobre o algodão. O conflito já fez o país brandir a ameaça de retaliação de US$ 4 bilhões contra produtos americanos.

Os EUA eliminaram ontem o programa Step 2, condenado pelos juízes da OMC no ano passado por dar subsídios ilegais a exportadores e cotonicultores americanos. No entanto, o Brasil reclama que Washington continua dando centenas de milhões de dólares de ajuda desleal por meio de outros programas, derrubando os preços mundiais e causando graves prejuízos aos produtores brasileiros.

O chefe da divisão de contenciosos do Itamaraty, conselheiro Flávio Marega, informou que tecnicamente os trabalhos estão prontos. A decisão final depende da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que se reúne dia 16. Dado o sinal verde nesse encontro, o Brasil poderá reabrir a disputa já na reunião de 1º de setembro do Tribunal de Solução de Controvérsias, no primeiro dia de retomada dos trabalhos na OMC após as férias de verão.

A reação brasileira é esperada com grande interesse, porque foi justamente a resistência americana a se comprometer com maior redução de subsídios domésticos agrícolas que provocou a suspensão da rodada, semana passada.

Para países africanos produtores de algodão, como Mali, Chade, Benin e Burkina Fasso, uma atitude firme do Brasil é essencial. "Gostaríamos de fazer o que o Brasil fez e vai fazer, mas não temos recursos", lamenta o embaixador do Benin na OMC, Samuel Amehou. "Queremos nos coordenar com o Brasil, porque ele faz também a nossa luta." Os produtores africanos dizem perder pelo menos US$ 250 milhões por ano devido à queda de preço provocada pelos programas americanos que garantem competitividade a seus produtores.

Para retomar a disputa na OMC, o Brasil colocará fim a acordos com os americanos, pelos quais suspendera dois pedidos de autorização para retaliar produtos dos EUA: US$ 3 bilhões pela manutenção de subsídios proibidos à exportação e US$ 1,032 bilhão por subsídios domésticos.

Washington tinha se comprometido a continuar alterando seus programas, mas na área de subsídios domésticos só acabariam mesmo com o programa Step 2, o que ocorreu ontem como previsto. O Step 2 Consiste em pagamentos a exportadores e a consumidores americanos de algodão para cobrir a diferença entre os preços do algodão americano, mais altos, e os preços do produto no mercado mundial, aumentando a competitividade do algodão americano.

Marega nota que falta reduzir os subsídios "Marketing Loan", "Market Loss Assistance" e "Counter-Cyclical Payments" , pelo geram efeito depressivo sobre o preço internacional do algodão, em violação ao Acordo de Subsídios da OMC. Esses programas isolam o produtor americano dos sinais de mercado e levam à produção artificial.

Os EUA informaram ao Brasil que a lei orçamentária americana afetará as garantias de crédito à exportação oferecidas pelos programas "General Sales Manager 102", "General Sales Manager 103" e "Supplier Credit Guarantee Program" . No entanto, não há garantia de aprovação num Congresso cada vez mais protecionista. Não é só o algodão que vai ser afetado, mas as garantias de crédito à exportação de outras commodities, como milho, soja e arroz.

O Brasil pedirá instalação de um "painel de implementação". No jargão da OMC, significa que os mesmos juízes do painel original vão examinar se os EUA respeitaram as recomendações para acabar com programas condenados por violar regras internacionais. Os juízes terão 90 dias para decidir. Em casos normais, a decisão demora mais de um ano. Se os juízes constatarem que Washington não implementou tudo, o Brasil pedirá uma arbitragem para determinar o valor da retaliação.