Título: Com falhas, programa federal de reforma de pontes é cancelado
Autor: Borges ,André
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2011, Brasil, p. A5

Em dezembro do ano passado, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) lançou um programa ambicioso para manutenção, reparo e alargamento de pontes e viadutos de rodovias federais. A iniciativa inédita, batizada de Programa de Reabilitação de Obras de Artes Especiais (Proarte), previa que metade das pontes e viadutos do país - um total de 2,5 mil estruturas - passassem por reformas entre 2011 e 2014. A empreitada custaria R$ 5,8 bilhões. Só em 2011 seria aplicado R$ 1 bilhão em obras. Em setembro, discretamente, a diretoria colegiada do órgão decidiu abortar o programa, duas semanas depois de o general Jorge Fraxe assumir o comando da autarquia. Nenhum viaduto ou ponte foi reformado.

Uma recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) ajuda a entender por que o projeto do departamento não tinha a menor condição de prosseguir. O programa, conforme constatado pela fiscalização, estava mergulhado em uma série de irregularidades, a começar por falhas graves encontradas na relação de pontes que deveriam ter prioridade de atendimento, por conta de suas estruturas estarem estado crítico.

Ao todo, previa-se que 500 estruturas - o equivalente a 10% do total de pontes das rodovias federais - selecionadas pelo órgão seriam atendidas imediatamente, por apresentarem problemas como malhas de ferragem à mostra e juntas estruturais danificadas, com "risco tangível de colapso estrutural". Por meio de uma amostragem de projetos, o TCU verificou, no entanto, que uma série de pontes listadas como "críticas" no Proarte tinha bom estado de conservação, enquanto outras em condições precárias não constavam da relação de prioridades.

Em estradas federais do Pará e do Rio de Janeiro, por exemplo, foram identificadas 15 pontes em situação precária que atenderiam aos critérios de seleção do órgão. Nenhumas dessas estruturas, porém, foi incluída na etapa emergencial do Proarte. Por outro lado, os auditores encontraram casos como os da BR-414, em Goiás, onde duas pontes - sobre os rios Maranhão e Corumbá - em bom estado de conservação constavam das prioridades do programa. Nessa mesma estrada, outras três pontes em condições críticas não apareciam na lista.

A identificação das estruturas mais problemáticas cabia às superintendências estaduais do Dnit, que deveriam informar à autarquia quais projetos seriam incluídos no programa. Os critérios dessa seleção, no entanto, não foram detalhados para as regionais, segundo o TCU. O auditores verificaram que alguns Estados com obras críticas "simplesmente optaram por não indicar suas obras, uma vez que fora apenas requerida "manifestação de interesse"". Foi esse o caso das superintendências do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Rio.

A quantidade de informações incorretas contidas nos projetos também tornou o programa inviável. Um caso ilustrativo das situações encontradas é o plano de obras que estava previsto para a ponte sobre o rio Doce, localizada na BR-458, em Minas Gerais. A estrutura dessa ponte é metálica, mas no Proarte seu orçamento estava repleto de itens de serviço e peças que só poderiam ser aplicados em estruturas de concreto. Na lista dos serviços para a ponte do rio Doce estavam ações como demolição e corte de concreto armado, pintura de superfície de concreto com adesivo epóxi, compra de argamassa e execução de furos em concreto, entre outros. A soma dos serviços e materiais chegava a R$ 2,6 milhões, o equivalente a 13% do valor orçado para a obra. Depois de informado sobre o problema, o Dnit excluiu a obra do programa.

As falhas do Proarte também passam por valores superestimados de materiais e serviços, além de excesso de quantitativos para tocar as obras. É esse o caso da situação encontrada na ponte sobre o rio Maranhão, em Goiás, onde o serviço de demolição e corte de concreto armado apresentou sobrepreço de 8.030%, enquanto a argamassa estava com valor 1.255% acima do cobrado pelo mercado. Só nessa ponte o custo superestimado atingia R$ 299,5 mil, cerca de 7% do custo total da obra.

O Dnit chegou a apresentar argumentos em sua defesa ao TCU, mas o tribunal concluiu que as ponderações "não afastam os indícios de sobrepreço" e não eliminam a "irregularidade consistente na inadequação geral da metodologia de orçamento do Proarte".

De acordo com os auditores, os únicos levantamentos feitos pelo órgão se basearam nas "fichas de campo", que se limitaram à medição das dimensões de cada estrutura. Os problemas de cada ponte, como fissuras, rachaduras, concreto solto, excesso de vibração e armadura exposta, foram ignorados.

"Não foi elaborado projeto básico minimamente adequado e aceitável para as obras", comentou o ministro José Múcio Monteiro, relator do processo. "Em vez disso, o Dnit utilizou orçamentos baseados em planilhas eletrônicas padrão, parametrizadas apenas em relação à largura, comprimento, altura e número de vigas de cada ponte e viaduto, como se a intensidade e a natureza do comprometimento das estruturas fosse igual em todos os casos."

Múcio citou ainda outros erros grosseiros. "Uma ponte com 12 vãos foi registrada pelo Dnit como possuindo seis. Em outra, que a entidade indicava ter dez metros de largura, possuía, na verdade, 13."

O TCU deu prazo de 45 dias para que o Dnit encaminhe ao tribunal um novo plano de ação com providências e cronogramas para a reforma das pontes e viadutos do país.