Título: Governo utiliza superávit para zerar dívida externa
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Brasil, p. A4
A maior parte do superávit primário do setor público está sendo usada pelo governo para pagar a dívida externa, hoje com juros mais baixos, do que para amortizar a dívida interna, que paga juros mais elevados. É o que mostram estatísticas que, a partir de julho, começaram a ser divulgadas pelo Banco Central.
O superávit primário no primeiro semestre somou R$ 57,154 bilhões. O que não se sabia com detalhes era como o governo está usando o superávit, destinado a pagar encargos e principal da dívida pública. Agora, com os dados divulgados pelo BC, sabe-se que apenas R$ 1,165 bilhão do superávit foi usado para reduzir a dívida interna. A maior parte dos recursos, R$ 55,989 bilhões, foi destinada à amortização da dívida externa.
Foi graças a essa política agressiva que a dívida externa líquida foi zerada em junho - e, mais do que isso, o governo tornou-se ligeiramente credor líquido em dólares, em quantia equivalente a R$ 752 milhões.
A redução da dívida externa liquida ocorreu sobretudo em três frentes. Em primeiro lugar, o governo federal fez R$ 34,624 bilhões em pagamentos ao exterior no primeiro semestre, com dólares, em boa parte, adquiridos no mercado doméstico de câmbio, com recursos do superávit primário.
A segunda frente na redução da dívida externa líquida foi o acúmulo líquido de reservas internacionais pelo BC, que representou R$ 15,909 bilhões no primeiro semestre. No cálculo da dívida líquida, entram de um lado os passivos em dólar e, de outro, os ativos, entre os quais as reservas são os mais importantes.
Por fim, as estatais fizeram pagamentos líquidos ao exterior equivalentes a R$ 5,643 bilhões. As empresas também mantiveram uma política de fazer preferencialmente amortizações ao exterior - os pagamentos relativos à dívida interna com recursos do superávit primário somaram R$ 1,741 bilhão no semestre.
Analistas econômicos dizem que a política do governo de privilegiar pagamentos da dívida externa tem suas vantagens, a maior parte ligada à redução da vulnerabilidade externa, mas também tem seus custos.
Alex Agostini, da Austin Rating, lembra que o aumento de ativos em dólar, por meio do acúmulo de reservas internacionais, está sendo bancado com emissão de dívida interna. "O governo está tomando recursos mais caros internamente para quitar dívida mais barata no exterior", afirma. A Selic, referencial de juros internos, está em 14,75% ao ano, enquanto a taxa de retorno dos papéis brasileiros negociados no exterior gira em torno de 6%.
A política de troca de dívida externa por interna ficou mais difícil de defender a partir de junho, quando a dívida externa líquida foi zerada, e o governo passou a ser credor em moeda estrangeira. A autoridade monetária, porém, retomou sua agressiva política de compra de moeda estrangeira em julho, com aquisições estimadas em quase US$ 4 bilhões. "Uma das explicações para essas intervenções é o interesse do BC de evitar uma maior apreciação do câmbio", avalia Agostini.
A vantagem da política de redução da dívida externa é que, hoje, o país está mais resistente a choques externos. Na turbulência recente no mercado financeiro internacional, o país colheu parte dos benefícios dessa política, ao não ser tão atingido como economias semelhantes. "Quando houver uma mudança mais forte na liquidez internacional, ficará clara a vantagem de reduzir a vulnerabilidade", diz Marcel Pereira, da RC Consultores.
Examinando a questão sob este ângulo, é possível defender a continuidade da política de acúmulo de reservas mesmo após o governo ter se tornado credor líquido em moeda estrangeira. Mais do que proteger o governo contra oscilações da taxa de câmbio, as reservas têm a função de amortecer ou evitar choques no balanço de pagamentos. "Existe um benefício representado pela redução dos custos de captação no exterior", disse Pereira. Nesse caso, os ganhos seriam não apenas do governo, mas também das empresas privadas que captam no exterior.