Título: Duas medidas para o começo de 2007
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Poítica, p. A6

A reforma da Lei do Orçamento, que o Ministério do Planejamento prepara para enviar ao Congresso Nacional, não é um pacote de medidas para acabar com sanguessugas ou anões, nem mesmo para desviar da Comissão Mista do Orçamento, para outras plagas que lidam com o dinheiro público, a central de corrupção que em sucessivas Legislaturas leva à sarjeta dezenas de parlamentares.

"Só se acaba com sanguessuga quando for possível botar alguns deles na cadeia; não tem legislação do orçamento que resolva preventivamente a cena de um parlamentar pilhado em conluio com um prefeito fraudando licitação de ambulância", afirma o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento. É com toda esta dureza e objetividade que o ministro responsável pela coordenação das propostas de mudança das regras orçamentárias, em estudos no governo para serem providenciadas apenas no início do segundo mandato, se o presidente Lula conquistar a reeleição, avalia os escândalos de corrupção que têm sempre, no seu eixo, a elaboração do orçamento da União no Congresso.

Segundo diagnóstico do ministro do Planejamento, são duas as reformas estruturais capazes de redirecionar de uma vez por todas essa vocação que parece inexorável do orçamento: uma é a reforma política, e outra uma revisão geral da legislação orçamentária.

Esta reforma política teria que conter, necessariamente, condições para o usufruto do privilégio da imunidade, maior rigidez na fidelidade partidária e financiamento público de campanha, para começar. A outra reforma seria uma revisão geral da legislação orçamentária, cuja minuta o Ministério do Planejamento está elaborando.

A revisão não vai tratar, por exemplo, do detalhamento de regras de funcionamento da comissão de Orçamento, das formas de apresentação das emendas parlamentares, ou outros gargalos a que se atribui, hoje, o caráter corruptível da questão.

A revisão que está sendo feita é basicamente da lei complementar 4320, de 1964, que disciplina a elaboração do orçamento pela União, pelos Estados e Municípios. Depois desta lei, sancionada em março daquele ano, já se passaram 42 anos, nos quais surgiram mudanças radicais nas regras sobre finanças públicas sem que a lei as acompanhasse. A dívida mobiliária, o grande volume de convênios de repasse de verbas entre União e Estados e Municípios, a Constituição de 88, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as renegociações das dívidas, o fim da antecipação da receita orçamentária, todas foram alterações feitas ao longo do tempo que tiveram impacto sobre o orçamento. O governo tentou, a cada ano, preencher essas lacunas com dispositivos na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO).

Os estudos do Planejamento estão sendo feitos a partir de um projeto de lei complementar do ex-senador baiano Waldeck Ornellas que, segundo o ministro Paulo Bernardo, embora ainda não inclua a Lei de Responsabilidade Fiscal, é um projeto que já leva em conta as mudanças que o Capítulo II e os artigos de 163 a 169 da Constituição de 88 fizeram no Orçamento.

Se reeleito, Lula mudará fgts e Orçamento A Lei 1964 levou 20 anos para ser votada. O projeto de Waldeck, tomado como base pelo governo, tem a vantagem de já ter sido aprovado em várias comissões e pode, assim, seguir mais rápido o percurso. Paulo Bernardo é favorável ao orçamento impositivo, cuja proposta já tramita no Congresso, mas acha que é necessário haver uma transição de alguns anos com esta nova legislação até chegar lá, pois impor a liberação de emenda sanguessuga, realmente, não dá.

Vai ficar também para o início de 2007, caso o presidente Lula vença as eleições, o projeto de investimento dos recursos do FGTS em obras de infra-estrutura. O fundo de garantia tem hoje um total de R$ 175 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões estão em títulos públicos. Até o fim deste ano, serão computados R$ 22 bilhões de patrimônio líquido do fundo (hoje é de R$ 20 bilhões), recursos em sua totalidade investidos em título público. "Se é patrimônio líquido, posso investir em algo que vai gerar mais emprego, mais FGTS, e até um reforço à Previdência. Penso ser uma irresponsabilidade, um desperdício, investir essa quantia em título público", afirma o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

O ministro admite que está havendo pressão contra a medida. Não confirma, mas no ministério é público que a principal força contrária é a construção civil, temerosa em dividir com outros setores os recursos que hoje são, por lei, para habitação e saneamento. Mas Marinho não pretende recuar. "Eu sugeri, os técnicos discutiram, levei ao presidente, que aprovou; temos agora que aprovar no Conselho Curador do fundo e depois dar formato para enviar ao Congresso depois das eleições".

Segundo explica Luiz Marinho, o dinheiro do trabalhador ficará intacto, as centrais sindicais estão apoiando a medida, e ninguém deseja criar insegurança nos sindicatos e na sociedade. A idéia é montar um fundo com R$ 5 bilhões, podendo chegar a R$ 15 bilhões, ou 80% do patrimônio líquido, só para novos investimentos. O trabalhador também poderá investir diretamente, como ocorreu no caso da Petrobras e da Vale. "Todo investimento com rentabilidade e projeto de longo prazo. Se todo mundo pensar em taxa selic, nunca cresceremos. Não podemos pensar com a cabeça de banco, temos que pensar no futuro do país", argumenta Luiz Marinho.

"Dar uma olhada"

O ministro Nelson Machado ia passando pelo corredor em frente ao gabinete do presidente Lula, no Palácio do Planalto, quando foi surpreendido pelo próprio, de saída. "Ô Nelson Machado, e as filas do INSS?"

Solícito, Machado disse que já estavam todas dissolvidas. "Em Pernambuco não tem mais nenhuma fila, presidente".

Lula insistiu: "E aquelas do Rio que a TV Globo mostrou?" Machado: "Melhoraram muito, presidente".

"Posso, então, ligar para a TV Globo e falar para voltarem lá porque não tem mais fila?" - perguntou Lula. Machado gaguejou: "Não, presidente, não fala ainda não, deixa eu dar uma olhada".