Título: Economia ajuda Cuba a administrar afastamento de Fidel
Autor: Rodrigo Uchôa
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Internacional, p. A9

Apesar das comemorações, buzinaços e panelaços dos exilados cubanos em Miami, após a notícia de que o ditador Fidel Castro, de 79 anos, havia transferido temporariamente o poder ao irmão Raúl, as mudanças em Cuba não devem ser radicais no curto prazo, dizem analistas. O governo cubano já teria se preparado para uma transição de poder sem troca de regime. A expansão forte da economia nos últimos anos facilita essa tarefa. Fidel deixou anteontem, pela primeira vez em quase 50 anos, o controle do governo, para ser operado no intestino. Ele delegou o poder a seu irmão Raúl, de 75 anos, que já era ministro da Defesa.

Não foi divulgado do que ele foi operado. Especula-se que poderia ser de câncer. Uma mensagem lida na TV cubana, atribuída a Fidel, diz que seu estado de saúde é estável mas que será preciso mais tempo para se avaliar a evolução real de sua saúde. O governo venezuelano, aliado de Fidel, disse que ele se recupera "positivamente".

Já dos EUA, velhos inimigos, a posição foi menos amistosa. "Não podemos conjeturar sobre a saúde de Fidel, mas continuamos trabalhando para o dia da liberdade de Cuba", disse a Casa Branca.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou uma mensagem: "Querido presidente e amigo, em nome da amizade que nos une e da luta que travamos em favor do desenvolvimento e da igualdade entre os povos, quero transmitir-lhe os votos de pronta recuperação. Estou aqui expressando, caro presidente, meu sentimento pessoal, o de meu governo e o de seus muitos amigos no Brasil".

Fidel deixa nas mãos do irmão um país que, economicamente, está mais forte hoje para enfrentar uma eventual turbulência política do que em qualquer momento desde o colapso da União Soviética, em 1991, quando a Rússia parou de sustentar a economia da ilha caribenha. Estima-se que a União Soviética enviasse de US$ 4 bilhões a US$ 6 bilhões de subsídios anuais à economia cubana.

No começo dos anos 90, Cuba sobreviveu ao débâcle soviético promovendo o setor de turismo e aceitando o crescimento da economia informal, no que ajudou a decisão de deixar o dólar circular livremente no país. Com o crescimento, o governo voltou atrás nessas pequenas reformas. No ano passado, voltou a considerar crime a posse de moeda estrangeira.

Graças sobretudo às altas de preços das commodities no mercado internacional (o açúcar é o principal produto de exportação cubano), ao turismo florescente e à ajuda energética da Venezuela, a economia de Cuba cresceu mais de 8% nos últimos 18 meses (mais de 10%, se usadas as medidas cubanas, pouco ortodoxas). As importações quase dobraram nesse mesmo período, e os gastos públicos aumentaram em cerca de 30%.

Segundo o Ministério do Turismo, o país recebeu, no ano passado, um recorde de 2,3 milhões de turistas, um aumento de 13,2%, em relação a 2004. O turismo responde pela maior parte do setor de serviços no país, que, por sua vez, representa quase 70% do PIB cubano e emprega a maioria absoluta da força de trabalho (64%).

Esse cenário de crescimento não é surpresa e vem se cristalizando já há algum tempo. Desde 1998, Cuba supera a média de crescimento da América Latina. Mesmo em anos reconhecidamente difíceis, como 2001 e 2002, quando houve desaceleração e retração na média latino-americana, Cuba seguiu crescendo dois pontos percentuais acima dos países continentais.

David Ibarra, da Cepal, vê a relação com Venezuela e China como a força motriz para esse crescimento. "Os dois países se tornaram os maiores parceiros comerciais de Cuba, tornando-se fundamentais para a economia", disse.

A China compra quase 10% das exportações cubanas e é responsável por 13,4% das importações; a Venezuela compra 4,9% e "vende" 13%. O verbo vender vem entre aspas não por acaso. A maior parte do petróleo venezuelano para Cuba é trocado por serviços de cerca de 20 mil médicos, dentistas e professores cubanos de educação física, boxe, atletismo e beisebol, que prestam serviços nas áreas mais pobres da Venezuela.

Com esse petróleo, Havana revigorou o transporte público no país estabilizou o fornecimento à indústria agropecuária. Foi um alívio salvador para o regime, já que a situação energética de Cuba chegou a um ponto de quase colapso pouco após o fim dos embarques de petróleo subsidiado soviético. Hoje ainda, o país consome cerca de 205 mil barris por dia e sua produção não chega a 75 mil barris.

As autoridades cubanas entretanto não parecem totalmente seguras de que os avanços econômicos recentes servirão para garantir que o regime continue firme. Agências internacionais disseram que reservistas estariam sendo convocados para garantir a segurança no interior do país.