Título: Escândalo das sanguessugas é problema do Congresso
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Opinião, p. A10

Em 1993, a CPI do Orçamento desvendou ao país as entranhas de um enorme esquema de manipulação do Orçamento, que era colocado em movimento, no Congresso, entre a apresentação do projeto de lei pelo Executivo até a sua transformação em lei orçamentária, com ramificações em prefeituras e empresas com interesses em serviços ou obras pagos via emendas parlamentares. Dadas a extensão do esquema e a sua abrangência - não era uma quadrilha partidária, mas parlamentar - o Legislativo ceifou algumas cabeças rapidamente, para amortecer o impacto das denúncias sobre a instituição. O escândalo das sanguessugas mostra que as medidas "saneadoras" de 13 anos atrás não alteraram as condições que permitem fraudes no orçamento a partir de emendas de parlamentares - sequer alteraram, aliás, o procedimento das fraudes e o esquema de corrupção parlamentar. O caso Planan é apenas uma reedição do escândalo do Orçamento de 1993, embora envolva um número muito maior de políticos. Não foi necessário incorporar novos elementos ao esquema de manipulação orçamentária, nem usar a criatividade: é o mesmo.

Pela similitude dos dois escândalos, e pela experiência anterior da superficialidade com que o Congresso lidou com o problema, é pouco recomendável a partidarização do escândalo. Na última semana, os partidos em disputa pela Presidência trocaram acusações sobre responsabilidades sobre o esquema. O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, acusou o governo Lula de ser o maior responsável pelo esquema de corrupção, embora existam fartos indícios, documentais e testemunhais, de que a Planan agiu muito durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e de que há deputados tucanos envolvidos no esquema de propina. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, diz que é responsabilidade de seu governo o inquérito que levou o empresário Luiz Antônio Vedoin, da Planan, e aponta para mais de uma centena de prefeitos do PSDB e do PFL envolvidos no esquema de ambulâncias superfaturadas. O PT levanta números para provar que o maior faturamento da Planan foi no governo tucano; a oposição reúne outros para provar que a grande movimentação de dinheiro da empresa foi no governo Lula. Esquece Lula que existem parlamentares petistas envolvidos e os dois ministros da Saúde de seu governo, Humberto Costa (PT) e Saraiva Felipe (PMDB) terão que dar explicações sobre negociações de assessores com a empresa fraudadora; Alckmin e a oposição esquecem que o esquema se alastrou por quase um quinto do Congresso e envolveu quase todos os partidos ali representados, inclusive os seus próprios.

O uso eleitoral do escândalo das sanguessugas traz consigo sérios problemas. O maior deles é de foco: o correto é tratar o episódio como um problema quase que estrutural do Legislativo. O que está em jogo - e o que foi colocado à venda - são as emendas parlamentares, e foi a partir delas que as propinas irrigaram Executivo federal e municipais. Os corrompidos em qualquer esfera de governo devem ser punidos, é lógico, mas, se o Congresso não encarar este problema como seu, corre-se o risco de novamente serem dados ao eleitor raivoso alguns anéis para salvar dedos - e a engrenagem de manipulação de emendas parlamentares ao Orçamento federal continuará funcionando e fazendo eternamente corruptores e corrompidos. O nível de desgaste que o Legislativo acumula nesses episódios faz dele uma das instituições mais desacreditadas da República, e isso é um risco severo às instituições democráticas.

Alguns assuntos não devem entrar na agenda eleitoral simplesmente porque não são de sua natureza. Um problema sério, estrutural, como este, não pode ser reduzido a uma acusação entre adversários para conquistar um voto. O que está em jogo não é a eleição de ninguém, mas a credibilidade da instituição por excelência da democracia, o Legislativo. E para preservá-la - ou restitui-la - é preciso, primeiro, que o Congresso assuma o problema como um tumor enraizado no seu próprio corpo, que deve ser extirpado com uma incisão profunda em sua própria carne para não se alastrar por todo o corpo. É a única garantia de que o país não passará pelo déjà vu de um novo escândalo orçamentário daqui a um par de anos.