Título: Suspender o tratamento paliativo
Autor: Jimmy Carter
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2006, Opinião, p. A11

O Oriente Médio é um barril de pólvora, onde alguns importantes participantes em todos os lados esperam toda e qualquer oportunidade para destruir seus inimigos com balas, bombas e mísseis. Uma vulnerabilidade especial de Israel, e uma recorrente causa de violência, é a manutenção de prisioneiros.

Ativistas palestinos e libaneses sabem que um soldado ou um civil israelense capturado é uma causa de conflito ou uma moeda de barganha valiosa para troca de prisioneiros. Esta presunção é baseada em uma série de permutas desta natureza, que incluíram 1.158 árabes, na sua maioria palestinos, por três soldados, em 1985; 123 libaneses pelos restos de dois soldados israelenses em 1996; e 433 palestinos e outros por um empresário israelense e os corpos de três soldados, em 2004.

Esse estratagema precipitou a violência renovada que irrompeu em junho, quando palestinos escavaram um túnel sob a barreira que cerca Gaza e atacaram alguns soldados israelenses, matando dois e capturando um. Eles propuseram devolver o soldado em troca da libertação de 95 mulheres e 313 crianças que estão entre quase 10 mil árabes detidos em prisões israelenses, mas desta vez Israel rejeitou uma troca e atacou Gaza na tentativa de libertar o soldado e impedir o disparo de foguetes na direção de Israel. A destruição resultante levou à reconciliação entre facções palestinas rivais e lhes rendeu apoio em todo o mundo árabe.

Logo depois, os militantes do Hezbollah no sul do Líbano mataram três soldados israelenses e capturaram dois outros, e insistiram na retirada de Israel de territórios em disputa e numa troca por alguns dos vários milhares de libaneses encarcerados. Com o apoio dos EUA, as bombas e mísseis israelenses choveram sobre o Líbano. Logo em seguida, os foguetes do Hezbollah fornecidos pela Síria e Irã estavam atingindo o norte de Israel.

É inquestionável que Israel tem o direito de se defender contra atentados a seus cidadãos, porém é desumano e contraproducente punir populações civis na irracional esperança de que de alguma forma elas culparão o Hamas e o Hezbollah por provocarem a reação devastadora. O resultado, pelo contrário, foi que um amplo apoio árabe e mundial está sendo mobilizado para esses grupos, ao mesmo tempo em que se intensifica a condenação à Israel e aos EUA.

Israel anunciou tardiamente, porém não implementou, uma suspensão de dois dias nos bombardeios contra o Líbano, reagindo à condenação global de um ataque aéreo desferido sobre a aldeia libanesa de Qana, onde 57 civis foram mortos e onde 106 morreram pela mesma razão há 10 anos. Como antes, houve manifestações de "profundo pesar", uma promessa de "investigação imediata" e a explicação de que panfletos lançados alertaram as famílias na região a deixarem as suas casas.

Não haverá paz duradoura para qualquer povo desta região conturbada enquanto Israel continuar a violar importantes resoluções das Nações Unidas A necessidade urgente no Líbano é que os ataques de Israel cessem, que as forças militares regulares do Líbano controlem a região sul do país, que o Hezbollah deixe de atuar como uma força de combate separada e que sejam evitados ataques futuros contra Israel. Israel deve se retirar de todo o território libanês, incluindo as Fazendas de Shebaa, e libertar os prisioneiros libaneses. O primeiro-ministro Ehud Olmert, porém, rejeitou esse cessar-fogo.

Estas são esperanças ambiciosas, mas mesmo se o Conselho de Segurança da ONU adotar e implementar uma resolução que conduza a esse tipo de solução no fim, só terá fornecido mais um paliativo e um consolo temporários. Tragicamente, o conflito atual é parte do inevitavelmente repetitivo ciclo de violência que decorre da ausência de um acordo abrangente no Oriente Médio, exacerbado pela ausência quase sem precedentes de qualquer tentativa real de alcançar esse objetivo durante seis anos.

Líderes dos dois lados ignoram maiorias sólidas que anseiam pela paz, permitindo que a violência liderada por extremistas evite todas as oportunidades para se construir um consenso político. Israelenses traumatizados se atém à falsa esperança de que suas vidas ficarão mais seguras por meio de retiradas unilaterais adicionais das áreas ocupadas, ao passo que os palestinos vêem seus territórios remanescentes serem reduzidos a pouco mais do que um depósito humano cercado por uma provocativa "barreira de segurança", que constrange os amigos de Israel e não consegue oferecer segurança e estabilidade.

Os parâmetros gerais de um acordo de longo prazo entre dois Estados são bem conhecidos. Não haverá nenhuma paz duradoura e permanente para qualquer povo desta região conturbada enquanto Israel estiver violando importantes resoluções da ONU, a política oficial dos EUA e o internacional "mapa da paz", ocupando terras árabes e oprimindo os palestinos.

À exceção de modificações negociadas mutuamente aceitáveis, a fronteira oficial anterior pré-1967 de Israel deve ser honrada. Assim como todos os governos anteriores desde a fundação de Israel, os líderes de governo dos EUA precisam estar na vanguarda da concretização deste objetivo há muito adiado.

Um importante impedimento para o progresso é a estranha política da administração dos EUA, segundo a qual o diálogo nos temas polêmicos será estendido apenas como uma recompensa por comportamento subserviente e será recusado àqueles que rejeitarem as posições dos EUA.

O envolvimento direto com a Organização para a Libertação da Palestina ou com a Autoridade Palestina e com o governo em Damasco será necessário para se obter acordos negociados garantidos. O fracasso em se dedicar aos temas e líderes envolvidos corre o risco de criar um arco de instabilidade ainda maior, que vai de Jerusalém passando por Beirute, Damasco, Bagdá e Teerã. Os povos do Oriente Médio merecem paz e justiça e nós, na comunidade internacional, devemos a eles o nosso sólido apoio e liderança.

Jimmy Carter foi presidente dos Estados Unidos e é o fundador da instituição beneficente Carter Center em Atlanta.