Título: Com a zona do euro ameaçada, G-20 precisa adotar visão de curto prazo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2011, Finanças, p. C2

A economia mundial está ameaçada. O G-20 precisa agir já.

Quando Nicolas Sarkozy iniciou a presidência francesa do grupo das 20 nações mais industrializadas do mundo, ele escolheu o lema "Um novo mundo, novas ideias". Sua ambição era transformar Cannes em uma nova Bretton Woods, com a cúpula redesenhando a governança econômica global e o sistema monetário internacional.

Por mais louváveis, esses projetos devem ser adiados para tempos melhores. Com os mercados em turbulência e a zona do euro correndo o risco de colapsar, o momento está mais para posturas de curto prazo.

Conforme a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) deixou claro esta semana, as incertezas com as perspectivas de curto prazo para a economia mundial aumentaram dramaticamente nos últimos meses. A confiança das empresas e dos consumidores enfraqueceu, decisões de investimentos estão sendo adiadas e os gastos das famílias sofrem com os preços baixos dos ativos e o mercado de trabalho ruim. A OCDE prevê que o crescimento do PIB americano no médio prazo será fraco e que ele será levemente negativo em parte da zona do euro. Até mesmo as economias emergentes enfrentarão taxas de crescimento menores.

Grande parte dessas perspectivas sombrias se deve a políticas fracas. Com o Congresso americano brigando por causa de um plano de redução do déficit, assim como brigou na questão do teto da dívida, os Estados Unidos vinham se esforçando ao máximo para conseguir a Palma de Ouro em Cannes pelas tomadas de decisões mais incompetentes.

Todavia, os líderes da zona do euro roubaram esse prêmio não invejável ao permitir que a crise da dívida grega fugisse tanto de controle, ao ponto de agora ameaçar a integridade da zona do euro. Este é um erro para o qual os historiadores olharão com desprezo.

Por este motivo, os líderes não europeus precisam se fazer ouvir por seus colegas europeus. Do ponto de vista econômico, a zona do euro tem o que é preciso para resolver o problema da crise da dívida sem qualquer ajuda externa. Ela precisa fazer isso. O século XX começou com um pequeno Estado dos Balcãs mandando o mundo pelos ares. A história não pode se repetir no século XXI. Há algo profundamente errado com a economia mundial quando um país pequeno como a Grécia se torna uma ameaça tão grande.

Um problema maior está em uma série de falhas de coordenação entre as maiores economias mundiais que estão afetando as políticas monetária, fiscal e cambial. Como única plataforma para os líderes mundiais, o G-20 é o lugar certo para se resolver esses problemas. O próximo encontro só vai ocorrer em junho de 2012, de modo que é essencial que decisões firmes sejam tomadas agora.

O primeiro problema tem a ver com as taxas de câmbio. Os últimos encontros foram eficientes ao impedir que a economia mundial fosse devastada pelas guerras tarifárias, mas o protecionismo está voltando na forma da manipulação cambial. Para a sustentação no curto prazo da demanda nos países com déficits, e para que os desequilíbrios globais sejam reduzidos no médio para o longo prazo, os países com superávit e moeda independente precisam parar de fazer o que puderem para mantê-la em baixa.

Conforme as indústrias japonesas sabem muito bem, permitir a valorização de uma moeda é um processo muito doloroso. Mesmo assim, esse problema pode ser resolvido de uma maneira menos prejudicial e, o que é mais importante, mais eficiente. Uma estratégia melhor é buscar uma política monetária mais agressiva, como a que o Federal Reserve (Fed) vem aplicando nos Estados Unidos. O Banco do Japão e o Banco Central Europeu deveriam fazer o mesmo. O BCE deveria reduzir as taxas de juros e o Banco do Japão, aumentar suas compras de ativos. Isso daria suporte à demanda global e, no caso da Europa, ajudaria a administrar os casos de fragilidade nas dívidas soberanas, como a Espanha e a Itália, que estão desestabilizando a zona do euro e a economia mundial.

Uma expansão monetária deveria ser acompanhada, para aqueles que puderem fazer isso, por um estímulo fiscal. Um aperto fiscal maior está no horizonte para 2012, mais que o necessário dadas as perspectivas desanimadoras para a economia mundial. Os países com superávit deveriam concordar em aumentar seus gastos públicos.

A China precisa adotar medidas concretas para uma transição para um modelo conduzido pelo consumo, enquanto a Alemanha deveria parar de desempenhar o papel da dona-de-casa da Suábia (região na Baviera), preocupada apenas com suas economias quando o vilarejo em que ela vive está pegando fogo. Quanto aos Estados Unidos, um maior estímulo de curto prazo é necessário, embora isso deva ser acompanhado de um plano de credibilidade para a redução do déficit no longo prazo.

Para a economia mundial, o ano que vem corre o risco de ser ruim. Desde a reunião de 2008 do G-20 os perigos não são tão grandes. Os líderes mundiais precisam estar à altura do desafio e tomar medidas ousadas. Se eles não fizerem isso, o encontro de Cannes corre o risco de entrar para a história como o festival das lamentações.

Com a zona do euro ameaçada de um colapso, o momento agora é de pensar no curto prazo.