Título: Títulos da dívida de Itaipu podem gerar crise entre Brasil e Paraguai
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2006, Brasil, p. A2

O governo brasileiro recebeu mal o anúncio do presidente do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos, de que pedirá ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que compre bônus da dívida da hidrelétrica de Itaipu. O assunto ameaça criar constrangimento durante o encontro dos presidentes do Mercosul, na semana que vem, que marcará a entrada da Venezuela no bloco sul-americano.

Duarte Frutos anunciou, em Assunção, que aproveitará a reunião para pedir que Chávez pague parte da dívida de US$ 19 bilhões de Itaipu, recebendo, em troca, bônus com juros menores que os pagos atualmente pela usina binacional. Para o governo brasileiro, é uma proposta inviável e inaceitável.

Duarte Frutos não pode fazer a proposta a Chávez, porque os títulos da dívida da hidrelétrica não são do Paraguai, mas da Eletrobrás e do Tesouro brasileiro, disse ao Valor um graduado assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, na prática, a mudança nas condições de pagamento de Itaipu reduziria a receita hoje obtida pelo governo brasileiro com o pagamento da dívida da estatal, prejudicando o cumprimento das metas de superávit nas contas públicas.

O presidente paraguaio discorda, segundo demonstrou ontem aos jornais locais. Segundo o jornal "Última Hora", de Assunção, ele garante que não precisa da aprovação do Brasil para a proposta que pretende fazer a Chávez, mas que irá consultar o governo brasileiro. "É um negocio favorável para os dois países, porque representará uma economia importante, que possibilitará realizar investimentos na área social", disse Duarte Frutos.

Desde sua visita ao Brasil, em 2003, ele defende a tese de que a redução no pagamento da dívida liberará pelo menos US$ 50 milhões para aplicação em programas sociais. Já naquela época foi informado pelas autoridades brasileiras que, por contrato, o corte no no pagamento da dívida levará a redução nas tarifas da energia de Itaipu, o que não mudaria os valores hoje pagos ao Paraguai.

A pedido de Duarte Frutos, o governo brasileiro já analisou e rejeitou, no ano passado, a idéia de trocar os títulos da Eletrobrás e do Tesouro por bônus com juros menores que seriam comprados pelos bancos de investimentos Merrill Lynch e Bear Sterns. Os investidores pediam, como garantia, a energia gerada por Itaipu. Agora, Duarte Frutos argumenta que Chávez aceitou comprar quase US$ 2 bilhões em títulos da dívida argentina, e poderia comprar títulos de Itaipu com juros menores que os pagos atualmente, de 7,5% acima da taxa de inflação dos EUA.

Para rejeitar a proposta dos bancos de investimento, o Tesouro alega pelo menos duas razões. Uma é a soberania: não interessam ao governo credores que exigiriam como garantia mecanismos vinculados à energia fornecida ao Brasil. O outro argumento, importante e não assumido publicamente pelo Planalto, é o de que os encargos pagos por Itaipu à Eletrobrás e ao Tesouro são vitais para a meta de superávit nas contas públicas: nos últimos anos, garantiram receita de pelo menos US$ 1,5 bilhão para o governo.

Na reunião da semana que vem, em Caracas, será difícil ao presidente Lula escapar à cobrança do paraguaio, especialmente se Chávez se manifestar a favor da troca dos títulos. No governo brasileiro, funcionários que acompanham o assunto insinuam que Duarte Frutos está seguindo uma estratégia semelhante a de outros presidentes da região, ao transformar um problema de política interna em tema da agenda regional: ao culpar o Brasil por problemas com Itaipu, o presidente paraguaio minimiza outras críticas levantadas pela oposição, sobre o destino, pouco transparente, dos recursos já pagos ao Paraguai pela binacional.

Um aliado de Duarte Frutos, Victor Bernal, comanda o lado paraguaio da usina, e dispõe de US$ 21 milhões anuais para "programas sociais" sobre os quais não há contabilidade clara. Além disso, o orçamento do governo paraguaio inclui US$ 250 milhões em royalties pagos pela usina, usados em despesas que a oposição acusa de serem desconhecidas pela opinião pública.