Título: Juros podem cair em 2011
Autor: Latif, Zeina
Fonte: Correio Braziliense, 05/09/2010, Economia, p. 16

Entrevista

Como a senhora avalia a decisão doBancoCentral de interrompero processo de alta dos juros? Apesar do ceticismo do mercado, não acho que a decisão do BC de parar com a alta da taxa Selic foi ousada, equivocada, arriscada.

Quando a gente compara o recente ciclo de aperto monetário com os anteriores, vemos que este foi mais preventivo, pelo menos do que se refere ao comportamento do hiato do produto (a diferença entre o crescimento efetivo do PIB e o PIB potencial, capacidade de expansão sem riscos para a inflação).Doponto de vista das expectativas inflacionárias, não. Quando o BC começou a fazer o aperto monetário, já havia deterioração.Mas, convenhamos, expectativas inflacionárias são muito contaminadas pelos índices correntes. Aquilo que, ao meu ver,temque pautar as decisõesdo BC é o comportamento do hiato do produto.No que se refere a esse aspecto, o aperto monetário começou numa situação muito melhor do que em 2008, quando só reagiu no momento em que as medidas de capacidade instalada da indústria e as estimativas de hiato do produto já estavam no pico. Desta vez, o BC começou o aperto em abril, com um hiato ainda negativo, com a economia operando não significativamente acima do potencial. Então, é razoável que interrompa o ciclo mais cedo também.

Masnão há ainda muitas incertezas no cenário internacional? Essa é justamente a segunda razão de a decisão do BC não ter sido equivocada. O cenário, pelo menos por hora, sugere que teremos lá fora um ciclo mundial muito mais fraco do que vigorou até 2008, antes da crise. Naquele momento, havia um crescimento extremamente elevado e pressão de inflação muito forte. O ciclo mundial de agora é de baixo crescimento, de baixa inflação e preços de commodities (mercadorias com cotação internacional) bem comportados. Isso faz diferença grande na nossa inflação.

Masnão poderiam ocorrer surpresas nesse cenário? Claro que sim.Umcenário que seria terrível, que a gente não pode descartar, é de baixo crescimento com inflação.No limite, o mundo iria para a estagflação, em que a economia fica parada, mas compreçosemalta. Isso seria péssimo.

Se isso acontecer, o BC terá que repensar a política monetária aqui. Felizmente, tal possibilidade não parece a mais provável. Portanto, acho que não caberia ao Copom(Comitê dePolíticaMonetária) prolongar a alta dos juros.

Não vejo a atual parada na alta da Selic como algo que machuque a reputação doBCbrasileiro.

Muitos preveemalta dos juros em2011.Asenhora compartilha dessa visão? Não. Pelo contrário, trabalho com queda de 0,5 ponto percentual.

Fecharemos este ano com os atuais 10,75% e estou trabalhando com 10,25% para o ano que vem. Acredito que o próximo movimento do BC é de corte de juros e não de alta, mas desde que continue o cenário de baixo crescimento mundial e de baixa inflação e, claro, sem preocupações comos preços das commodities.

Comoestá a situação das contas externas? Estamos dependentes de capitais de curto prazo? Não vejo o tamanho do deficit emtransação corrente (que triplicou nos sete primeiros meses do ano) como algo que acenda a luz amarela.OBrasil tem bons indicadores externos, não tem problemas de solvência e existeumapetitedomundoemfinanciar os países emergentes, sobretudo aqueles que estão tendo crescimento forte. Acho que ainda existe espaço para o Brasil aumentar o deficit em conta corrente e ficar com resultadosnegativosporalgunsanos sem que isso gere problemas para a dívida externa, de insolvência ou algum tipo de pressão cambial.

Além disso, háumfluxo muito forte de capitais de médio e longo prazo vindo para cá.

OBrasil está correndo riscos fiscais diante da atual gastança do governo? Vejoumapolítica fiscal que poderia ser melhor tanto do ponto de vista de tamanho do superavit primário quanto da qualidade do gasto público. Essa é a grande agenda.Houve uma piora da credibilidade da autoridade fiscal, no sentido de os agentes econômicos desconfiarem da capacidade ou dodesejodesecumprirumameta de superavit e muitas vezes de não saber qual meta está sendo perseguida.

A percepção da piora das contas públicas é presente. Em 2009, tivemos, pela primeira vez, a capacidade de fazer política monetária e fiscal anticíclicas. Agora, há muitos ruídos na gestão da política fiscal, dimensionados pelas questões eleitorais.

Ogoverno fezumgordo orçamento para investimentos em2011. Isso beneficiaria a candidata DilmaRousseff emumapossível vitória? Não temos como não defender investimento tanto dentro do Orçamento do Tesouro quanto das estatais. A dúvida é qual o espaço para isso acontecer e de que investimentos estamos falando.

Há muitas respostas por vir. Qual será o time econômico do próximo governo? Qual será a orientação em relação a essas coisas, porque só falar em aumento do investimento eu entendo como muito genérico. Quando olhamos a literatura econômica, a experiência mundial, não tem uma indicação clara de que aumento de investimento do setor público gere também incremento do investimento privado, que é o que tende a alavancar mais o crescimento da economia. Será somente uma aceleração de investimentos sem muita clareza de orientação? Qual é, na sua opinião, a principal agenda econômica para o próximo governo? Eu entendo que seja a agenda fiscal. É preciso que ela seja bem equacionada, pois ajudará na condução da política monetária e, obviamente, terá impactos na taxa de câmbio de equilíbrio do país. Acredito que a chave que merecerá mais ajustes é a do desenho da política fiscal, seja na parte de qualidade, seja também no tamanho da economia para o pagamento de juros da dívida.

Ninguém está preocupado com a solvência do país, ainda mais à luz da deterioração da política fiscal dos países desenvolvidos. A questão é ter geração maior de poupança no país e qualidade de investimento privado que, de fato, possa acelerar o crescimento do país sem inflação.

Masa candidata do governo já disse que é contra arrocho fiscal.

Agora não é hora, ao meu ver, de tomar discurso dos candidatos como um sinalizador do que vai ser a política econômica daquiparafrente.

Eminíciodemandato, geralmente se têm políticas fiscais mais conservadoras. Não acho que serão tão conservadoras quanto no início do governo Lula em 2003, porque lá houve mudança de partido. Mas, de qualquer forma, é natural que se avaliem algumas coisas. Talvez hoje o que traga maior apreensão dos investidores é a política parafiscal, o crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).Mas creio que isso mudará. Não há mais necessidade de se ter um BNDES tão presente na economia.

Oatual ritmo de crescimento do Brasil é sustentado? Os 7% que teremos neste ano, não. O consenso entre os economistas é de que o Brasil tenha potencial para crescer 4,5%.Minha avaliação é de que o país está se aproximando de 5% de crescimento de formasustentável, devido ao ciclo de investimentos que começouem2005. Faz muita diferença ter um movimento tão robusto da construção civil. As taxas de investimento nos principais países da América Latina são próximas de 25% do PIB e, no Brasil, está abaixo de 20%. Se houver reformas ambiciosas para aumentar a capacidade de investimento do setor privado,achoquepoderáhaver uma aceleração de crescimento brasileiro bastante interessante.