Título: Países ficam ainda mais distantes de acordo na OMC
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2006, Brasil, p. A3

No lugar de posições mais flexíveis, aumentou ontem a divergência entre os principais países exportadores e importadores reunidos para tentar desbloquear a Rodada Doha. " O fosso ampliou-se " , disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. " Os elementos para um acordo não estão aqui. " A ministra francesa de Comércio Exterior, Christine Lagarde, concordou pelo menos nesse ponto: " A situação se degradou. "

Uma reunião de ministros do G-6 (Brasil, Estados Unidos, União Européia, Japão, Índia e Austrália), que terminou às 23 horas de Genebra, evidenciou a distância entre os principais países. " Se não houve progresso durante dois anos, como esperar isso hoje? " , indagou o ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, num intervalo da reunião. Ele ameaçou telefonar à sua agência de viagem para retornar a Nova Déli se os americanos mantivessem a mesma posição.

Em vez de entrar em negociação, a reunião começou com a cobrança generalizada dos seis países para Pascal Lamy, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), explicar o que significavam seus " números mágicos " , que giram em torno de " 20 " : a proposta do G-20 para o corte de tarifas agrícolas, limite em volta de US$ 20 bilhões para os subsídios americanos que mais distorcem o comércio e coeficiente 20 na área industrial, que cortaria as tarifas brasileiras em 60%, na média.

Amorim perguntou a Lamy porque ele mencionou limite de US$ 20 bilhões para os subsídios americanos, quando a proposta do G-20 é do teto ficar em US$ 12 bilhões para haver corte efetivo na ajuda americana. A resposta de Lamy é de que sua menção foi " em torno " dos 20, o que pode ser acima ou abaixo. Seu cenário foi criticado por países e setor privado. O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, chegou a dizer que " não negocia com diretor da OMC " , mas com os países.

" Não haverá acordo se o teto dos subsídios americanos de US$ 20 bilhões for mantido " , avisou Amorim. " Não vamos discutir dez anos para manter o mesmo nível de subsídios, que nos afeta. " Isolados, os Estados Unidos endureceram a posição, martelando na ambição de sua oferta agrícola. Mas enquanto os americanos não se moverem, não há como haver acordo.

Sob intensa pressão do Congresso, a representante comercial de Bush, Susan Schwab, acenou com algo mais na agricultura, sem porém dizer como e quando. Em contrapartida, continua a fazer cobranças. Os EUA querem, por exemplo, que o G-20 aceite novo cálculo na redução das tarifas agrícolas dos países em desenvolvimento, equivalente a 2/3 do corte dos ricos. O resultado ampliaria de 36% para 44% o corte médio nas alíquotas agrícolas da Índia.

Já Mandelson confirmou que a UE pode ir além no corte de tarifas agrícolas, mas condiciona o movimento a melhoras por parte dos americanos nos subsídios domésticos, além de baixa tarifária para produtos industriais no Brasil, Índia e outros emergentes.

Os principais ministros cristalizaram as posições manifestadas antes em reuniões bilaterais. " Quando se sente que o outro lado não vai piscar, não vai mostrar flexibilidade, você também não faz nenhum movimento, por mais boa vontade que tenha " , resumiu um negociador. Um assessor europeu chegou a se dizer " desesperado " pelo sentimento de perda de tempo. " É desapontador " , suspirou. A ministra francesa de Comércio Exterior, Christine Lagarde, não faz parte do G-6, mas falou muito ontem em Genebra.

" Para usar uma fórmula de futebol, os EUA estão no impedimento, os brasileiros jogando defensivamente, os países em desenvolvimento fora do campo e ninguém está chutando a bola " , disse. Para outros, a francesa é que está chutando fora, ao resistir inclusive aos próprios europeus na área agrícola. Segundo a ministra, " o desacordo profundo se reflete nesses 775 colchetes nos textos agrícola e industrial, que nós contamos " .

Os ministros do G-20 discutiam tarde da noite se era possível alguma aproximação agora ou só a médio ou longo prazos, o que compromete a rodada. A reunião ministerial formal, na OMC, começa hoje e deveria prolongar-se até segunda-feira. Se não houver mais do que os " avanços milimétricos " , o plano pode ser mudado. Em todo caso, está claro que haverá nova ministerial no mês que vem - na esperança de outro cenário.