Título: Jeitinho para tocar obras
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2010, Política, p. 3

Estratégia do governo federal de concentrar pagamentos na véspera do período eleitoral abre brecha para prefeituras iniciarem empreendimentos.

A prefeitura da pequena Jataúba (PE), de 15 mil habitantes, recebeu R$ 220 mil na sua conta-corrente em 2 de julho, o último dia antes do início do período eleitoral, quando obras novas não podem receber recursos. O dinheiro está destinado para melhorias sanitárias em comunidades carentes. Mas as obras só iniciaram mais tarde. A obra começou em 19 de julho. No dia 2, já estava licitada. Foi chegar e começar, contou o engenheiro civil da prefeitura, Fernando Guimarães. O jeitinho de tocar obras no período vedado pela Lei Eleitoral não é exclusividade de Jataúba. A brecha para irregularidades foi aberta pela estratégia do governo federal de concentrar o pagamento de recursos nos últimos dias antes da campanha oficial, com liberações para construções recém iniciadas ou para outras que não tinham nem licitação realizada.

O Correio analisou a execução de quatro programas de diferentes ministérios e descobriu a concentração de pagamentos. As liberações de programas dos ministérios do Turismo, Cidades, Esporte e Saúde no mês de julho somaram R$ 270 milhões. Desse total, R$ 166 milhões foram depositados nas contas das prefeituras nos dias 1º e 2. O dinheiro vai financiar obras de abastecimento de água, esgotamento sanitário, quadras esportivas, pavimentação de ruas. Todas com repercussão eleitoral. A base de dados foi baixada do Siafi (sistema informatizado que registra os gastos do governo) pela ONG Contas Abertas. Boa parte dos projetos resulta de emendas dos parlamentares. Com o Orçamento da União para este ano represado, por questões fiscais, o governo lançou mão dos restos a pagar de 2009, 2008 e até 2007 para cobrir as despesas.

As melhorias sanitárias em Jataúba vão beneficiar 150 famílias, ao custo total de R$ 550 mil, com recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O engenheiro de Jataúba é lembrado de que só empreendimentos já iniciados antes do período eleitoral podem receber recursos. Ele é questionado se a obra poderia ser considerada como iniciada antes de 3 de julho. Veja bem, tecnicamente, porque ela já havia sido licitada antes. O convênio foi assinado no governo passado, e nós licitamos. Depois, ficamos aguardando a liberação dos recursos, que demoraram a chegar. A ordem de serviço foi assinada em janeiro. Não tinha iniciado porque não tinha recursos. Se não chegasse o recurso, a prefeitura não tinha como arcar com essa obra.

Abastecimento Outro programa da Funasa vai atender 80 famílias do município de Serra do Navio (AP), com apenas 4 mil habitantes. Será construído um sistema de abastecimento de água na comunidade rural do Pedra Preta. O projeto tem custo de R$ 219 mil. A metade dos recursos (R$ 110 mil) foi depositada na conta da prefeitura em 2 de julho, mas as obras não haviam iniciado naquela data. Quem conta é a prefeita Francimar Santos (PT). Nós estamos licitando nesta semana. Nós fomos comunicados da liberação do recurso agora em agosto, mas tem que sair a publicação no Diário Oficial primeiro. Ela já tem planos para a inauguração da obra: Acredito que em uns 30, 40 dias. Obra, só depois de licitação. O empenho é antigo. Graças a Deus que saiu agora. Eu estava perdendo as esperanças.

A Prefeitura de Parnamirim (PE), de 20 mil habitantes, esperava desde o ano passado recursos do Ministério do Turismo para pavimentação de ruas no centro e nos bairros da Cohab e das Bombas. A primeira parcela, de R$ 100 mil, chegou à conta da prefeitura em 2 de julho. O diretor de Obras do município, Naiche Chaves, conta como ocorreu a liberação do dinheiro. Na verdade, foi dado um prazo, até 3 de julho, para a gente conseguir dar o andamento da documentação. Se, até esse prazo, a gente conseguisse entregar toda a documentação, estaria ok. A gente conseguiu liberar algumas obras e outras, não. Segundo o gestor, as orientações foram passadas pela Caixa Econômica Federal.

Carnaúba dos Dantas (RN), cidade com 7 mil habitantes, no Seridó, recebeu R$ 58 mil do Ministério das Cidades em 1º de julho. É um calçamento. Essa obra começou no mês passado, em julho. Já deve estar com 80% pronto. A data exata eu não sei, mas foi em julho, lembra o secretário de Obras, que se identificou apenas como Moacir.

O número Em cima da hora R$ 270 milhões Valores repassados pelos ministérios do Turismo, Cidades, Esporte e Saúde para as prefeituras durante o mês de julho

O número 61% Percentual de repasses realizados apenas em 1º e 2 de julho, antes do início do programa eleitoral. São R$ 166 milhões para financiar obras de abastecimento de água, esgotamento sanitário, quadras esportivas e pavimentação de ruas

Uma semana antes

A Prefeitura de Embu das Artes (SP), de 250 mil habitantes, aguardava desde dezembro a liberação de recursos para iniciar a construção do terminal rodoviário, uma obra de R$ 4,6 milhões. O município, comandado pelo petista Chico Brito, foi favorecido pelo esforço concentrado do governo no início de julho. O Ministério do Turismo depositou R$ 884 mil na conta da prefeitura no dia 2. Mas ainda não havia o que pagar. A obra havia iniciado em 26 de junho, uma semana antes. Fotografias feitas e enviadas pela prefeitura ao Correio mostram que a construção está realmente no início. Em dezembro do ano passado, o site da prefeitura informou que o deputado Devanir Ribeiro (PT) teve grande importância na vinda do recurso.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Embu informou que o terminal rodoviário está em construção por meio de convênio firmado em dezembro de 2009. O projeto arquitetônico foi encaminhado e, em seguida, aprovado pelos técnicos do ministério, permitindo assim a abertura da licitação. Porém, o pedido de licença ambiental, que possibilita o início das obras, foi encaminhado ao governo do estado de São Paulo em outubro de 2009 e só foi liberado em junho de 2010. Somente após aprovação ambiental, a prefeitura deu início à obra, o que ocorreu em 26 de junho de 2010, diz nota encaminhada pela assessoria de imprensa.

Os pagamentos para obras recém iniciadas, com depósitos bancários feitos às pressas, ocorreram em vários municípios. A Prefeitura de São Gotardo (MG), cidade de 32 mil moradores, recebeu R$ 100 mil do Ministério do Esporte em 2 de julho. O dinheiro será utilizado na construção de três quadras esportivas, no valor total de R$ 500 mil. O secretário de Obras, João Martins, fala do andamento do empreendimento: Estão iniciando. Duas delas estão com fundações prontas. A terceira, nós vamos iniciar na semana que vem. Começaram no início do mês de agosto. Foi feita a terraplanagem. Na semana que vem, começa a fundação da terceira. Acredito que termina, no máximo, em novembro.

Planilha Martins conta que o empenho (reserva no Orçamento) é antigo. Só que houve probleminha de aprovação do projeto. Foi feita nova planilha e reajustada a obra. Ele acrescentou que o dinheiro depositado antecipadamente fica em conta bloqueada. Ele fica até ser liberado. O pessoal vem faz a medição, liberou, libera o pagamento.

Em Laranja da Terra (ES), o dinheiro da Funasa também chegou em 2 de julho. Os R$ 100 mil que caíram na conta da prefeitura serão utilizados em melhorias sanitárias domiciliares. O prefeito do município, Joadir Marques afirma que está executando a obra. Começou em junho, antes do período eleitoral. Acho que foi meados de junho, lembra. Ele afirma que já tinha alguma coisa pronta quando o dinheiro chegou. Segundo os seus cálculos, as obras terminam até agosto, bem antes das eleições. (LV)

Regra respeitada A vedação de repasses de recursos para obras novas no período eleitoral é obedecida em Carmo do Cajuru (MG), cidade de 20 mil habitantes, distante 120km de Belo Horizonte. O município recebeu R$ 100 mil para a obra do sistema de esgotamento sanitário em 2 de julho, mas o secretário de Administração, Márcio Humberto, avisa: Recebemos R$ 100 mil na reta final. Vamos licitar a obra, mas vamos esperar passar o período eleitoral para começar. Não vamos fazer uma coisa irregular em busca de voto. A nossa política não é essa. Por isso, até hoje não soltamos o edital. Não tem essa urgência.