Título: Retorno da Grécia ao dracma seria acidentado
Autor: Chaffin ,Joshua
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2011, Finanças, p. C10

Christos Chanos participa de uma reunião em sua empresa em Atenas, que fabrica guarda-sóis, e pondera sobre uma das questões mais prementes que o país, abalado pela crise, enfrenta: a Grécia vai deixar o euro?

Presidente de uma companhia que foi fundada por seu avô em uma banca do antigo mercado do bairro de Monastiraki, ele tem experiência própria no enfrentamento de efeitos desestabilizadores de uma crise de dívida que abala a Grécia há quase dois anos.

Ele entende o argumento de que a reintrodução do dracma - que a Grécia colocou de lado em favor do euro em 2001 - permitiria ao país reduzir seus custos e reconquistar competitividade. Mas, assim como muitos outros, ele reluta em seguir esse caminho. "Se você me perguntar se nunca deveríamos ter aderido, eu poderia fazer um longo discurso", diz Chanos. "Mas a esta altura eu acho que seria uma loucura. O que aconteceria no dia seguinte?"

Na criação do euro, regra de abandono de um país da unidade monetária foi omitida para não gerar dúvidas sobre projeto

Mais de uma década após o nascimento da moeda única, essa pergunta está sendo feita com frequência cada vez maior em toda a Europa, e nos escalões mais altos. Naquele que um dia poderá ser visto como um momento crucial para o euro, os líderes da França e da Alemanha especulavam abertamente, há duas semanas, sobre a possibilidade da saída da Grécia, demolindo um tabu antigo.

A causa foi uma convocação surpresa pelo então primeiro-ministro grego, George Papandreou, de um referendo nacional para aprovar o pacote de socorro financeiro de € 130 bilhões (US$ 177 bilhões) para o seu país, que havia sido dias antes em Bruxelas. Papandreou saiu e Lucas Papademos assumiu o posto. Sem o dinheiro, seria quase certo que a Grécia daria calote em suas dívidas - um evento que a forçaria sair do euro.

Os espasmos dos mercados italianos de bônus na semana passada serviram apenas para ampliar a discussão. José Manuel Barroso, o presidente da Comissão Europeia, alertava para os riscos de o bloco das 17 nações que compartilham o euro encolher. "Esta é a ameaça que paira sobre nós", disse Barroso.

Tal linguagem teria sido inimaginável para os arquitetos da moeda única. Quando estavam elaborando o euro, mostraram-se tão confiantes em sua criação que optaram por não incluir um detalhe prático: uma saída de emergência. Não há meios legais explicitados para a saída de um país. Na verdade, os tratados da União Europeia exigem que todos os membros - com a notável exceção do Reino Unido e da Dinamarca e a não participação implícita da Suécia - eventualmente aprofundem ainda mais a integração.

De aluguéis a salários, contratos teriam que ser refeitos. Haveria uma onda de litígios de credores estrangeiros

Mas a omissão pode também ter sido um reflexo de uma premonição mais sombria: a de que apenas imaginar uma maneira de sair do euro - quanto mais estabelecer uma - seria convidar os países a algum dia fazer uso dessa alternativa, colocando, assim, toda a empreitada em dúvida. "Se for colocado na cabeça dos investidores e participantes do mercado que a participação na zona do euro pode ser um acordo temporário, isso vai abalar duramente a confiança no valor duradouro da moeda", afirma Thomas Klau, do Conselho Europeu para as Relações Exteriores e autor de um livro sobre a criação do euro.

Embora Papandreou tenha aventado a ideia do referendo antes de deixar o cargo, Klau teme que a discussão pública dessa questão poderá ser um problema para a zona do euro nos próximos anos. "O preço a ser pago por isso poderá ser alto", diz ele. "Há agora novos pontos de interrogação em relação à coesão da moeda."

Em Bruxelas, na sede da Comissão Europeia - o braço executivo da União Europeia -, funcionários estão divididos entre a necessidade de aprontar planos contingenciais para a Grécia e o medo de isso desencadear especulações sobre uma possível saída também da Itália e da Espanha, que estão agora na linha de frente da crise. A mera percepção dessa possibilidade poderá tornar o euro nesses países menos valioso do que nos países mais fortes, como a Alemanha, segundo alertam economistas - o que poderia provocar uma corrida aos bancos em todo o continente. "Criamos uma zona bastante instável se as pessoas puderem entrar e sair facilmente, e isso é a última coisa que precisamos no momento", observa um funcionário da Comissão Europeia.

Apesar dos perigos, muitas autoridades europeias começaram a especular sobre a saída da Grécia bem antes do estresse das últimas semanas - embora a portas fechadas. Em julho, o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido lançou um exercício de planejamento para estudar quais seriam as consequências de tal medida, especialmente para os cidadãos britânicos que vivem na Grécia.

Em uma peça acadêmica visionária, Phoebus Athanassiou, um advogado do Banco Central Europeu (BCE), publicou em dezembro de 2009 um documento para discussão que não despertou muita atenção, chamado "Withdrawal and Expulsion from the UE and EMU: Some Reflexions " - seis meses antes dos países do euro e o Fundo Monetário Internacional (FMI) correrem em socorro da Grécia. Nele, Athanassiou observa que os problemas que qualquer governo encontraria - com a criação de uma nova moeda para repatriar suas reservas do BCE - e conclui que "a expulsão de um estado-membro da União Monetária Europeia seria legalmente quase que impossível".

Mas, embora não haja uma saída de emergência incorporada à zona do euro, criou-se uma para a União Europeia (que é mais ampla) com o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor dois anos atrás. Criou-se a cláusula 50, que permite a saída de um estado-membro, desde que seja aprovada pela maioria absoluta dos membros restantes. A ideia foi aliviar as preocupações - especialmente entre os eleitores céticos quanto ao euro da República Checa e do Reino Unido - de que participar da União Europeia é parecido com usar uma camisa-de-força permanente.

Basicamente, as autoridades da UE reconhecem que as questões legais não impediriam nenhum país de abandonar a zona do euro ou a UE, se a nação estiver determinada a fazer isso. Mas tal decisão estaria carregada de complicações. A Grécia teria que renegociar bilhões de euros em pagamentos feitos por Bruxelas. O país ainda reclama cerca de € 15 bilhões em fundos de desenvolvimento não aplicados sob o atual orçamento de sete anos do bloco, por exemplo. Seus agricultores também recebem muitos subsídios agrícolas.

Os contratos domésticos denominados em euro - de aluguéis imobiliários a salários - teriam que ser refeitos. Haveria também uma onda de litígios da parte de credores estrangeiros, que iriam lutar com todas as forças contra o pagamento das obrigações externas do país na nova moeda.

Os líderes europeus demonstraram ter noção desse risco quando arrancaram uma importante concessão da Grécia, durante as negociações do mês passado sobre o pacote de socorro. A jurisdição legal para os bônus do país em circulação foi mudada da Grécia para o Reino Unido, tornando, na prática, impossível a redenominação desses ativos por Atenas.

Indiscutivelmente, a tarefa mais sensível seria evitar a incitação de uma corrida aos bancos do país. Como a nova moeda valeria apenas uma fração do euro, a população faria de tudo para sacar suas poupanças antes que as divisas fossem convertidas. "Se isso acontecesse, teria que ser feito entre as cinco e a meia-noite", diz um diplomata europeu. "No momento em que você anunciasse, as pessoas começariam a esvaziar suas contas bancárias e haveria malas de dinheiro voando pelo país."

Em meio à sua própria crise da dívida em 2001, a Argentina impôs controles de capital, impedindo os cidadãos de sacar mais de US$ 250 por vez, e apenas US$ 1.000 para viagens ao exterior. Mas essas medidas violariam as regras da UE sobre a livre movimentação de capital.

Imprimir e distribuir novas cédulas também não seria uma tarefa fácil. Em 2003, a coalização liderada pelos Estados Unidos que invadiu o Iraque, lançou, após a operação, uma nova moeda para substituir o dinheiro da era Saddam Hussein em menos de três meses. A coalizão recorreu aos esforços da De La Rue, uma editora britânica especializada em papéis de segurança, um esquadrão de 27 Boeings 747 e 500 guardas fijianos armados.

Mesmo não passando por um conflito armado, as autoridades gregas teriam um trabalho de campo enorme para reconfigurar tudo, de caixas de atendimento automático de bancos a lavanderias automáticas. "Os computadores teriam de ser reprogramados. Máquinas de atendimento automático teriam de ser modificadas. Máquinas de recebimento automático teriam de ser atendidas para evitar que motoristas ficassem presos em estacionamentos subterrâneos. Cédulas e moedas teriam de ser posicionadas em todo o país", escreveu Barry Eichengreen, um economista da Universidade da Califórnia em Berkley, em "The Breakup of the Euro Area", um estudo de 2007. "É só lembrar o planejamento extensivo que precedeu a implementação física do euro."

Com o desenrolar da crise, um coro crescente de gregos insiste que os riscos envolvidos em um restabelecimento do dracma ainda são melhores do que passar por anos de uma austeridade que já lançou a economia do país na recessão. Mesmo assim, muitos - como Chanos - relutam em abandonar o euro. Sua implementação selou os laços da Grécia com o resto da Europa, agregando uma camada de segurança na questão da longa rivalidade do país com a vizinha Turquia.

Mesmo aqueles que se beneficiariam financeiramente com a saída têm suas dúvidas. O turismo é tido como uma das áreas da economia grega que mais sairiam ganhando com o restabelecimento do dracma, porque os preços menores atrairiam mais turistas estrangeiros. "Esse é um lado da moeda", diz Themos Tsokas, cuja família possui um hotel na ilha de Mykonos. "O outro lado é que os suprimentos de que necessitamos no hotel são importados - todos." Esses itens ficariam mais caros da noite para o dia. Ele também calcula que as taxas de juros sobre os empréstimos contraídos pelo hotel iriam aumentar como resultado da inflação maior.

Fora da Grécia, outros estão chegando à conclusão de que a saída do país da zona do euro poderá não resultar nos benefícios esperados, Eichengreen afirma que a inflação dos salários acabaria com os eventuais ganhos de competitividade externa.

Também não há nenhuma garantia de que a saída da Grécia livraria os membros restantes do bloco do fardo de ajudar Atenas. Klau afirma que além de proteger seus próprios bancos das ondas de choque, também poderiam ter de apoiar uma Grécia empobrecida por até uma década.

"Acho que os europeus não concordam com a noção do resto da UE parada, assistindo os cidadãos gregos recolher restos de comida em montes de lixo. Isso é sempre esquecido na atual crise, mas o princípio fundador da União Europeia é a solidariedade", diz Klau. (Tradução de Mario Zamarian)