Título: Tratado ajuda empresas americanas na Bolívia
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Brasil, p. A2

As empresas americanas têm mais recursos para tentar receber por expropriações na Bolívia do que a brasileira Petrobras. Como EUA e Bolívia têm um tratado bilateral de investimento, as companhias que se sentirem prejudicadas podem recorrer ao Centro Internacional de Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID, na sigla em inglês), vinculado ao Banco Mundial, ou outros árbitros seguindo as regras do Centro de Legislação Internacional das Nações Unidas (Uncitral). A arbitragem pode ser feita antes de entrar na Justiça contra o país, embora não afete o direito de uso dos tribunais.

Na rodada de nacionalização de campos de gás, o prejuízo americano foi relativamente pequeno. A Exxon Mobil é sócia minoritária de um campo de gás que não está produzindo. Uma empresa americana importante com investimentos no país é a Prisma, que administra ativos na América do Sul da antiga Enron. Segundo o website da empresa, a Prisma tem participação no gasoduto Brasil-Bolívia.

A Exxon enviou no ano passado uma carta após a promulgação da nova lei boliviana de hidrocarbonetos, que pode servir de base para um recurso futuro em arbitragem, segundo o porta-voz da empresa, Robert Davis.

A segunda rodada de nacionalização que a Bolívia ameaça fazer poderá atingir mais interesses americanos, na área de mineração, e é provável que os investidores recorram ao tribunal de arbitragem para receber ressarcimento. O tratado reconhece o direito de nacionalização ou expropriação "para fins públicos", desde que haja um "pronto pagamento de indenização", que deveria ser pago antes da efetiva desapropriação e seguir preços de mercado.

Arbitragem pode ocorrer antes de ação judicial Há ainda uma outra lei americana que permite o corte de ajuda bilateral ao país. A Bolívia é um dos países qualificados para receber ajuda da Corporação do Desafio do Milênio (Millenium Challenge Corporation- MCC), órgão do Departamento de Estado para administrar ajuda bilateral. Neste ano a MCC receberá US$ 1,7 bilhão dos EUA, e não está especificado o total para a Bolívia. Mas a ajuda bilateral é sujeita à aprovação do Congresso, e não sairá do papel se houver confisco de ativos.

Os EUA têm uma lei aprovada na década de 60, chamada Emenda Hickenlooper, que requer que seja suspensa toda ajuda pública dos EUA a países que confisquem propriedade americana ou anulem contratos com companhias. Também estão incluídos como critérios "a imposição de taxas discriminatórias, restrições de manutenção ou condições operacionais".

A mineração na Bolívia foi nacionalizada em 1952 e permaneceu estatal até 1985. Hoje é um setor com presença estatal, mas também com grandes investimentos de companhias internacionais, cujas ações já começaram a ser afetadas pelas notícias da nacionalização do gás e a perspectiva de atitude semelhante em relação aos ativos de mineração.

As ações da Apex Silver Mines caíram nada menos que 16% na terça-feira e desde então ficaram estáveis. Também estão sendo afetados os papéis de outras companhias com operações no país, como a Newmont Mining e Coeur D´Alene (todas americanas) e a canadense Apogee.

Ninguém pensa nos EUA em mexer em preferências comerciais concedidas à Bolívia, por meio da lei que concede entrada de produtos sem tarifa de importação para desestimular o narcotráfico e cultivo de coca em países andinos. Em 2004, as exportações dos países do acordo (Colômbia, Peru e Bolívia) livres de tarifas cresceram 43%, atingindo US$ 8,4 bilhões. O maior item de importação (63%) é de produtos relacionados a petróleo e o segundo maior, de confecções. Mexer nessas preferências prejudicaria os interesses dos EUA no combate ao narcotráfico na região e a economia mais frágil da América do Sul. As preferências foram ampliadas em 2002.

Desde a inclusão de confecções no acordo, em 2002, as importações dos EUA de roupas produzidas nesses países cresceram 75%. As exportações bolivianas cresceram de US$ 160 milhões, em 2002, para US$ 261 milhões em 2004, mas o país é o menor beneficiário das preferências. Colômbia e Equador exportaram respectivamente US$ 7 bilhões e US$ 4 bilhões.