Título: Juiz decreta prisão por calúnia e injúria virtual
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Legislação &, p. E1
A segurança que a internet dá àqueles que cometem crimes por meios eletrônicos, com a falsa sensação de total anonimato, começa a mostrar outra faceta na Justiça brasileira, que aos poucos vai criando sua jurisprudência. O juiz Fábio Henrique Calazans Ramos, da Comarca de Anaurilândia, no Estado do Mato Grosso do Sul, em uma decisão pioneira, decretou a prisão preventiva do ex-marido da juíza Margarida Elizabeth Weiler por calúnia, injúria e difamação praticados na internet. O ex-marido da juíza, cidadão português, cometeu 116 crimes virtuais usando blogs, e-mails e sites de relacionamento para tentar ferir a honra de sua ex-companheira.
O advogado do caso, Eduardo Garcia, diz que além dos crimes contra a honra, o cidadão português é acusado de quebra de sigilo telemático da juíza, ou seja, dos e-mails, apropriação indébita, falsidade ideológica e denunciação caluniosa, além do crime de ameaça. "Tudo por meio eletrônico", diz Garcia. O que mais pesou na decisão do juiz, segundo o advogado Garcia, foi a sequência repetitiva dos crimes, além do fato de o ex-marido da juíza não ter residência ou emprego fixo no país. Este foi um dos motivos que levou também a primeira instância da Justiça mato-grossense a negar o pedido de liberdade provisória.
A decisão é inédita, segundo o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito digital e que pesquisa a jurisprudência dos tribunais brasileiros sobre as regras eletrônicas. Ele diz que pelo fato de as penas para estes tipos de crimes serem pequenas, dificilmente o criminoso vai para a prisão, sendo uma raridade a prisão preventiva. Rony Vainzof, do escritório Opice Blum e que foi consultor jurídico do caso, diz que o anonimato neste tipo de crime é facilmente quebrado com uma decisão judicial que peça ao provedor de internet que identifique a origem seja dos e-mails ou dos sites. "Hoje no Brasil, ainda há problemas com alguns provedores, poucos, que guardam as informações dos usuários por apenas um mês", diz Vainzof.
Na Europa, por exemplo, uma lei prevê que os provedores de internet são obrigados a manter toda e qualquer informação por pelo menos seis meses em seus servidores. "E lá a discussão é para aumentar esse prazo", diz o advogado André Ferreira de Oliveira, do escritório Dannemann Siemsen. Seis meses é considerado um prazo curto para se apurar um crime.
Apesar de a lei de crimes contra a honra prever penas brandas, a prisão decretada no Mato Grosso do Sul pode abrir caminho para que outros juízes e tribunais condenem réus por outros crimes cometidos na internet. Ferreira dá o exemplo do estelionato, cuja pena é de cinco anos de prisão. Um bom exemplo de estelionato na internet são os e-mails falsos, em nome da Receita Federal, que estão sendo enviados aos contribuintes que recém fizeram sua declaração de imposto de renda, pedindo novas informações.
A advogada Flávia Hal, membro do Instituto Brasileira de Ciências Criminais (IBCCrim), lembra que os crimes na internet não têm legislação específica e por isso podem ser enquadrados ou no Código Penal ou na Lei de Imprensa, quando se tratar de sites jornalísticos. Ela diz que há, entretanto, alguns tipos de crime que não podem ser adaptados a nenhum dos dois, como no caso de envio de vírus. E afirma que enquanto algumas doutrinas classificam o envio de vírus como crime de danos, há uma forte tendência de juízes a entenderem que não se pode tratar como crime de dano se não houver um dano palpável. Ela defende que sejam acrescentados alguns dispositivos nas leis atuais com previsão de agravantes de crimes, como no caso de violação de intimidade.