Título: As 'trade companies' e a majoração das contribuições sociais
Autor: Vagner Valente
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Legislação &, p. E2

Aquilo que deveria ser considerado exceção virou regra e, novamente, assistimos as autoridades fazendárias promoverem significativas alterações nos dispositivos que regem a tributação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social, ocasionando, por decorrência, a majoração da carga tributária, desta vez como alvo o setor agroindustrial.

Um dos pressupostos negativos da Instrução Normativa nº 3, de 14 de julho de 2005, foi o de alterar o campo de incidência desta contribuição social subjugando o conceito de destinação da mercadoria para elevar a tributação, de forma disfarçada, consoante disposição prevista no parágrafo 2º do artigo 245. Para melhor situarmos, vale conferir a dicção legal: "Parágrafo 2º - A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no país é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que está dará ao produto".

Com extremo rigor, importa relembrarmos que os atos administrativos devem ser sempre vinculados ou discricionários sem que, jamais, se sobreponham aos ditames preceituados nas disposições legais. A questão que se postula neste momento, e também como decorrência deste mandamento fundamental, é saber se é legal e constitucional um ato expedido pelo Poder Executivo tendente a reduzir ou aumentar a alíquota de contribuição social cuja matéria e objeto centralizam-se, precisamente, no tratamento das questões relativas ao comércio exterior.

De antemão, é cediço que, no campo jurídico tributário, a fixação de alíquotas que incidem sobre as operações de importação, exportação, sobre as operações de crédito, câmbio, seguros e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários como forma de controle da política comercial é reservada aos impostos. À evidência, observa-se que, mesmo em se tratando de impostos, não esta o Poder Executivo autorizado a atuar ao seu talante. Há de ser sempre a lei a única fonte para estabelecer sua instituição, não apenas indicando-lhe o nome mas, sim, apresentando todos os elementos essenciais que servem para individualizá-lo.

Portanto, é notório que se trata de matéria reservada ao princípio da legalidade. Quer seja em respeito aos ditames previstos em nossa Constituição Federal e no próprio Código Tributário Nacional (CTN), o administrador não pode discorrer e delinear sobre a definição de hipótese de incidência dos impostos ao seu prazer, quiçá quanto às contribuições sociais. Aliás, isso nunca foi objeto de delegação justamente por ser campo reservado ao legislador ordinário.

Os tribunais superiores refutam qualquer manifestação de cunho arbitrário por parte da autoridade fazendária Por outro lado, sabe-se que operações de exportação realizadas por intermédio das sociedades denominadas "trade companies" nada mais representa do que um meio-fim da política econômica do governo federal voltada ao comércio exterior, cujo objetivo é propiciar um facilitador ao ingresso de divisas, além, é claro, da obtenção de ganhos representativos na balança comercial.

Tais sociedades detêm um caráter especial no qual, à guisa de elevar o volume de arrecadação para diminuir o déficit previdenciário, não podem ser submetidas a meros fins arrecadatórios. Tanto assim é verdade que o próprio constituinte não submeteu as operações previstas nos incisos I, II, IV e V do artigo 153 à rigidez do princípio da anterioridade, dado o grau de relevância para a economia do país.

Daí a inclusão, da forma intencional que a autoridade fazendária, com a expedição da Instrução Normativa nº 3, anseia legislar sem autorização, é menosprezar, por teimosia, o abismo existente entre o querer e o poder. Ou seja, o administrador busca exercer sobre seus administrados função que jamais lhe foi delegada.

Por fim, consolidando as argumentações postuladas temos que: (1) a autoridade fazendária não encontra amparo legal que lhe outorgue poder para modificar a hipótese de incidência visando à majoração daquela contribuição social, falta-lhe competência e; (2) mesmo que sob a tutela da lei, esta afrontaria por demais o parágrafo 1º do artigo 153 da Constituição Federal, pois aquela previsão não alberga as contribuições sociais, mas somente os impostos.

Adverte-se, ainda, que os tribunais superiores refutam qualquer manifestação de cunho arbitrário por parte da autoridade fazendária, reconhecendo o seu poder para anular os seus próprios atos quando eivados de vícios formais ou materiais.

Vagner Valente é advogado e sócio do escritório Valente e Milhorança Advogados