Título: Lula quer 'casar de papel passado' com PMDB
Autor: Raymundo Costa e César Felício
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Política, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva delegou ao ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) a tarefa de conversar com todos os setores do partido e ajudar a resolver os impasses regionais que dificultam uma aliança com o PMDB. Antes de embarcar para Puerto Iguazú, na Argentina, Lula disse a um grupo de pemedebistas que quer "casar de papel passado e tudo" com a sigla, "tudo às claras, assumir o papel de aliados mesmo", agora e num eventual segundo mandato. Foi nesse contexto que Genro tomou o café da manhã com o deputado Michel Temer, presidente do partido, na quarta-feira, esteve ontem com o ex-governador Orestes Quércia e na terça-feira da próxima semana se encontra com o ex-presidente Itamar Franco. Está acertada também uma reunião com o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique. Falta só marcar a data.

A ofensiva de Lula marca um ponto de inflexão na relação do Planalto com o PMDB, que deixa de se dar com setores do partido e tenta ser institucional, a partir de agora, como fez questão de caracterizar o ministro Tarso Genro na conversa que teve ontem com Quércia. A mudança na tática palaciana tem dois objetivo: o eleitoral, com vistas a uma coligação formal nas eleições, o que os dois lados consideram muito difícil, e a construção de uma maioria parlamentar: agora, com a reunificação da base de apoio governista, e num eventual segundo mandato de Lula - tendo um partido forte ao lado do PT e outros aliados.

Esse partido é o PMDB, que atualmente detém a maioria nas duas casas do Congresso: 83 deputados (o PT tem 81) e 22 senadores. Nas avaliações feitas a Lula, os pemedebistas dizem que têm candidatos competitivos a governador em 14 Estados e que devem outra vez eleger grandes bancadas. O governo admite que a aliança, mesmo não sendo possível a coligação no primeiro turno, lhe permitirá trabalhar uma maioria parlamentar, num segundo mandato, em bases diferentes daquelas ocorridas em 2003, que levaram aos problemas conhecidos. É o que Lula quer dizer ao falar em aliança feita "às claras". Aliás, o PT tomou a iniciativa de revelar o encontro de ontem com Orestes Quércia por meio de nota divulgada no site do partido na internet.

Assim como na conversa com Michel Temer, o ministro Tarso Genro foi ao encontro de Quércia acompanhado do presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini. Genro abriu a conversa sobre a importância do relacionamento institucional entre PMDB e governo. Berzoini foi quem, em seguida, fez a abordagem eleitoral, ressaltando a importância desde logo da aliança com o PMDB, seja no primeiro turno das eleições, com uma coligação formal, seja no segundo turno. "O PMDB é um parceiro fundamental para as votações que ocorrerão este ano no Congresso", destacou Berzoini na nota que divulgou no site do PT. "Queremos nos relacionar com o partido como instituição e não mais com setores", disse o ministro Tarso Genro.

Quércia não se comprometeu, lembrando do apoio que dá à candidatura de Itamar Franco e o fato de que a questão da candidatura própria será decidida pelo PMDB numa convenção marcada para o dia 13. Ainda assim, Genro, que logo depois da conversa ligou para Itamar, considerou o encontro "positivo". Segundo o ministro, o governo quer ter um "diálogo especial" com o PMDB, "parceiro de coalizão". Lula, na conversa que teve com os pemedebistas, foi ainda mais enfático. Ao ser advertido por eles sobre as dificuldades de composição nos Estados, o presidente disse que "não pode ser por um caso ou outro que vamos deixar de resolver a aliança de fato. Nós estamos aqui para resolver os problemas".

Basicamente, o PMDB tem relatado queixas em relação a três Estados: Paraíba, cujo porta-voz é o líder da bancada no Senado, Ney Suassuna, Goiás, onde um dos vice-presidentes da sigla, Maguito Vilella, deve enfrentar uma dura eleição e Santa Catarina. O PMDB avalia que pode ganhar as eleições para governador nos três Estados, mas avaliam que isso seria mais fácil se o PT retirasse seu candidato e os apoiasse. A situação mais difícil é a de Santa Catarina, onde o pré-candidato petista é o ex-ministro da Pesca José Fritsch. Genro já acertou uma conversa com o governador Luiz Henrique. Há também a questão paulista, onde Quércia é assediado também pelo PSDB.

Na conversa com Lula, a qual compareceram o presidente do Senado, Renan Calheiros, os ex-ministros Eunício Oliveira (CE) e Romero Jucá (RR) e o deputado Jader Barbalho (PA) - todos da ala governista -, os pemedebistas disseram que o melhor para o partido, agora, é o partido ficar livre para fazer as composições estaduais mais convenientes. Essa teria sido inclusive a mensagem que quiseram passar com Renan assumindo a Presidência - ele se tornou inelegível e com isso liquida com as especulações de que o grupo quer entregar o partido a Lula em troca da Vice-Presidência. Foram discutidos os ministérios do PMDB. Mas qualquer solução só depois da convenção do dia 13 de maio.

Sobre o encontro em São Paulo, Berzoini negou que tenha sido discutida a substituição do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) por Orestes Quércia na definição do candidato da aliança governista ao Senado em São Paulo. "A conversa com Quércia foi exclusivamente sobre o cenário nacional, sobre de que forma poderá se conseguir o apoio formal do PMDB ao nosso nome para a eleição presidencial. Por isso as conversas começaram pelo presidente do partido, que é o Michel Temer", disse Berzoini. "Não vamos tratar de nenhuma questão regional antes de assegurar o apoio nacional".

O dirigente petista disse que, uma vez assegurado o apoio nacional, "a questão regional entrará em pauta". Citou como exemplos os casos do PSB e do PCdoB. O primeiro partido ainda discute se ficará sem apoiar formalmente qualquer candidato à Presidência ou aderirá a Lula. O segundo deverá apoiar o PT. "Com estes dois partidos, já temos conversas avançadas de alianças em alguns Estados, como o Ceará, por exemplo". Neste Estado, o PT irá apoiar o ex-prefeito de Sobral Cid Gomes (PSB), irmão do ex-ministro Ciro Gomes.

Depois das conversas dos dirigentes petistas com Temer e Quércia, Berzoini disse que irá procurar as demais lideranças do partido, entre as quais incluiu Renan Calheiros.