Título: Argentina depende menos do gás boliviano
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Especial, p. A10

Com uma dependência relativamente pequena do gás que importa, a nacionalização do petróleo e do gás da Bolívia encontrou a Argentina em uma posição mais cômoda do que o Brasil.

Cerca de 50% do abastecimento energético argentino depende do gás, e a importação da Bolívia alimenta 5% do mercado local, principalmente o norte do país. A situação energética da Argentina está longe de ser confortável, e a cifra não é insignificante se houvesse ruptura do fornecimento. Mas não é tão grande para que o aumento de preço a ser negociado nos próximos meses tenha um impacto importante sobre a economia.

Vivendo uma escassez de gás devido à grande alta do consumo nos últimos anos, o governo gostaria de ampliar a compra de gás boliviano a 20 milhões de metros cúbicos diários (atualmente compra cerca de 7 milhões). Mas, justamente por causa da instabilidade boliviana, não foram feitos os investimentos necessários para ampliar a capacidade de transporte.

No médio prazo, a Argentina poderia suprir a demanda interna com os cortes que tem feito nas exportações do gás que produz ao Chile e substituindo o gás que alimenta as termelétricas por óleo.

Outro fator que diferencia a Argentina do Brasil é que o país não tem interesse econômico direto na Bolívia, já que a petroleira Repsol-YPF foi privatizada na década passada. A empresa disse em comunicado que, entre 1997 e 2005, investiu US$ 1,08 bilhão e que 18% de suas reservas de gás e petróleo estão na Bolívia. Anunciou ainda ontem estar "disposta a cumprir" o decreto de nacionalização do governo boliviano, mas acrescentou que poderia recorrer à Justiça para fazer valer os seus direitos.

Essas condições fizeram com que o presidente argentino, Néstor Kirchner, buscasse se colocar como um mediador na crise entre Brasil e Bolívia, de ponte entre Evo Morales e Luiz Inácio da Silva, e ao mesmo tempo diminuir a influência de Hugo Chávez na questão.

Não que o presidente argentino tenha uma relação harmoniosa com as petroleiras no seu país. Kirchner culpa as empresas pelos problemas de escassez, e Repsol e Petrobras já foram acusadas diretamente de não investirem o suficiente na ampliação da produção e das reservas de petróleo e gás.

Kirchner também não esconde seu desgosto pelo fato de o país não ter mais uma estatal de petróleo. Para compensar essa falta, o governo impôs um pesado imposto sobre as exportações de petróleo. O Estado fique com quase toda a diferença de preço que supere uma cotação de US$ 45 por barril.

O imposto atua como um fator de contenção dos preços internos dos combustíveis. Hoje o litro da gasolina custa pouco mais da metade em relação ao preço brasileiro. E eventuais aumentos são respondidos com atitudes como o pedido de boicote feito no ano passado pelo governo contra a Shell.

Mesmo com tudo isso, o decreto anunciado por Morales acabou fazendo com que Kirchner posasse até de moderado e buscasse um papel de mediador na questão.