Título: Bolívia não sabe capitalizar recursos naturais, diz economista da OCDE
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Especial, p. A10

A Bolívia está afugentando investidores externos para ter a propriedade de recursos naturais que não assegurarão benefício econômico e desenvolvimento na situação atual, avalia Javier Santino, vice-diretor do Centro de Desenvolvimento da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

"Não serve de nada ter poço de petróleo e gás se o país não permite capitalizar essa fonte para desenvolvimento no longo prazo", disse. "Não basta ter o recurso natural, é preciso saber usa-lo."

Para o economista da OCDE, os produtores de gás, petróleo e outros recursos naturais na América Latina estão "surfando" na onda favorável trazida pela demanda global e preços altos, sem capitalizar essa "bonança" para introduzir inovações, melhorar a industrialização e competitividade de suas economias. É o caso da Venezuela, cujas exportações de petróleo representam 83% do total, além de Equador e agora a Bolívia, que reabriram contratos com as companhias de petróleo, numa nova relação de força.

"Ele (Morales) tem em parte razão para renegociar os contratos. O problema é que esse gesto não é acompanhado de uma política inteligente para o gás."

Um dos exemplos "encorajadores" de utilização "inteligente" dos recursos naturais na América Latina ocorre em Trinidad Tobago, que aproveitou suas reservas gigantescas de gás para criar indústrias de plástico, de fertilizantes, entre outras, diz o economista. "Trinidad Tobago criou empregos. Mas nacionalizar como na Bolívia não vai nessa direção."

O gás tem um enorme potencial inexplorado e pode ainda servir para uma real integração sul-americana, avalia o economista. "Basta ver o mapa da região, as demandas e a complementaridade na área energética", afirma Santino. "O Mercosul deveria ter começado por aí, a exemplo da União Européia que começou com um projeto de carvão e aço", estima. "O problema é que o Mercosul começou construindo a casa pelo teto, preferindo integrar setores onde há concorrência entre sócios, como automóveis, têxteis, etc."

Apesar da clara divisão hoje entre populistas e reformistas na região, Santino vê chances de uma política energética regional, inclusive pela disposição de instituições estrangeiras de financiar projetos de infra-estrutura no setor. Exemplifica que o Japão e a China estão hoje concorrendo para importar fontes energéticas e financiam projetos para ter garantia do fornecimento.

Antes da OCDE, Javier Santino trabalhou no Centro de América Latina na Universidade de Oxford, foi analista de mercados emergentes no banco francês Crédit Agricole e economista-chefe para América Latina e mercados emergentes no departamento de pesquisa econômica do banco espanhol BBVA.