Título: Lula promete investir na Bolívia; aumento do gás será negociado
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2006, Especial, p. A10

Depois de se reunir ontem por três horas com o presidente da Bolívia, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva retornou a Brasília sem definir um acordo quanto ao reajuste do preço do gás natural, que o governo boliviano planeja aumentar em 45%. Mesmo sem receber nenhum aceno, Lula reiterou apoio à nacionalização das reservas de petróleo e gás da Bolívia, anunciada na segunda por Morales, e prometeu novos investimentos brasileiros no país vizinho, sem descartar a Petrobras.

A expectativa do governo brasileiro era obter nesse encontro, realizado a pedido de Lula e que contou ainda com a participação dos presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, uma sinalização "positiva" de Morales quanto ao aumento do preço do gás. O boliviano não se comprometeu com valores, mas concordou em abrir negociações bilaterais com Brasil e Argentina para definir o percentual do reajuste. Assim, evita-se a possibilidade aumento unilateral do preço.

Em entrevista ao Valor, o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, que integrou a comitiva de Morales, confirmou que seu governo não fez nenhuma promessa a Lula. "Não há nenhum compromisso em relação a preço", disse ele, acrescentando que nos próximos dias serão iniciadas auditorias nas empresas estrangeiras que exploram gás e petróleo na Bolívia, entre elas, a Petrobras.

Na declaração conjunta da reunião, os quatro presidentes afirmam que "a discussão sobre os preços do gás deve dar-se num marco racional e eqüitativo que viabilize os empreendimentos".

"O importante é que nessa reunião garantimos que haverá o suprimento dos países que necessitam de gás e que os preços serão discutidos da forma mais democrática possível. É assim que se faz negociação entre duas nações", disse Lula durante entrevista coletiva, após o encontro ocorrido na cidade argentina que faz fronteira com Foz do Iguaçu (PR).

Mesmo tendo nacionalizado as reservas de gás e petróleo, medida que deverá causar prejuízos à Petrobras e que contraria os interesses do Brasil na Bolívia, Evo Morales, recebeu novamente apoio público pela decisão que tomou. De Lula, ouviu na entrevista coletiva que Brasil, Argentina e Venezuela reconhecem "o papel da Bolívia de definir a sua autonomia sobre suas riquezas naturais".

"Como presidente do Brasil, reconheço a situação econômica da Bolívia, sei dos problemas do presidente Evo Morales e, desde o primeiro dia, tenho me colocado à disposição para que discutamos e, agora, mais fortemente, com os presidentes Chávez e Kirchner, de forma que podemos trabalhar juntos para elaborarmos projetos que possam ajudar e contribuir para o desenvolvimento da Bolívia", prometeu Lula.

"Temos projetos, Morales certamente irá apresentar, num futuro bem próximo, uma lista de demandas que são consideradas importantes, e vamos trabalhar para ver como contribuir para que a Bolívia dê os passos que precisam ser dados para poder melhorar a qualidade de vida da sua gente."

De Chávez, Morales escutou que a nacionalização foi um "ato histórico", que já deveria ter ocorrido há dois anos, portanto, antes de Morales assumir o poder, quando 92% da população boliviana decidiu, por meio de um referendo, pela retomada dos recursos.

Chávez, que se reuniu com o líder boliviano em La Paz, na noite anterior ao encontro, aproveitou para anunciar que a Bolívia foi convidada oficialmente pelos três países a participar do projeto gasoduto do Sul. "Graças à nacionalização do petróleo, vamos incorporar a Bolívia ao gasoduto do Sul", comemorou o líder venezuelano.

Lula passou por constrangimento durante a entrevista coletiva, quando perguntaram a Morales se ele havia declarado que a Petrobras, ao anunciar que não faria mais investimentos na Bolívia, estaria chantageando seu governo.

Morales não se desmentiu. "Temos escutado algumas declarações de que a Petrobras não vai investir. Estou seguro de que os países serão solidários para ajudar a Bolívia", disse o presidente boliviano, referindo-se à entrevista dada na quarta-feira por José Sérgio Gabrielli, presidente da estatal.

Questionado sobre o tema, Lula disse que a Petrobras tem autonomia para investir e que fará isso onde houver retorno. "A Petrobras vai continuar investindo no estrangeiro, inclusive na Bolívia, de acordo com os acordos que possam haver entre a YPFB (estatal boliviana), o governo da Bolívia e o governo brasileiro", afirmou. Integrante da delegação oficial que veio a Puerto Iguazú, Gabrielli optou pelo silêncio. "No comments [sem comentários, em inglês]", despistou ele.

Na declaração conjunta bem como na entrevista, não foi feita nenhuma menção sobre as conseqüências que a nacionalização do petróleo boliviano terá sobre os ativos da Petrobras.

Em conversas reservadas, assessores de Lula continuam insistindo na tese de que o governo boliviano está "apenas" reestatizando a antiga estatal YPFB e não expropriando as empresas que investem na Bolívia.

Na estatal brasileira, as dúvidas são grandes porque não se sabe com que recursos o governo boliviano compensará a expropriação de ativos da Petrobras e das outras companhias que exploram petróleo e gás no país.

A reunião dos quatro presidentes em Puerto Iguazú transcorreu sem a participação de chanceleres, assessores ou tradutores. Lula, Morales, Chávez e Kirchner se fecharam numa sala durante três horas.

Antes do encontro, o presidente brasileiro se reuniu por cerca de 20 minutos com o líder argentino. Morales chegou para o encontro, que aconteceu no Iguazú Grand Hotel, acompanhado de Chávez, que fez a vezes de porta-voz do boliviano para a imprensa.

Integraram a delegação brasileira o vice-presidente José Alencar, os ministros Celso Amorim (Relações Exteriores) e Silas Rondeau (Minas e Energia), além do presidente da Petrobras, do porta-voz da Presidência, André Singer, e do assessor de assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia.