Título: Um futuro movido a etanol
Autor: Belini, Cledorvino; Camargos, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2010, Economia, p. 17

Presidente da Anfavea aposta no álcool como matriz energética e defende forma como montadoras conduzem recalls no Brasil

Se depender da vontade do presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, que também é presidente da Fiat na América Latina, os automóveis elétricos serão apenas uma realidade distante. Enquanto Estados Unidos, Japão e parte da Europa adotam medidas eficazes para incentivarem a produção dos elétricos e híbridos que se valem da bateria responsável por alimentar um motor elétrico, além de outro propulsor à combustão para aumentar a autonomia , Belini acredita que o caminho do Brasil são os veículos flex, com a matriz energética no etanol.

O presidente da Anfavea argumenta que a tecnologia das baterias precisa ser aperfeiçoada, pois os modelos já lançados têm baixa autonomia, ou seja, depois de cerca de 150 quilômetros precisam ser recarregados em uma tomada. Outro argumento de Belini é que o impacto dos elétricos pode saturar as hidrelétricas. Porém, estudos do setor não criam alarme nesse sentido. A Usina de Itaipu estimou que se todos os 3 milhões de veículos brasileiros produzidos em 2008 fossem elétricos o acréscimo no consumo total de energia do país teria sido de 3,22%.

Nesta entrevista, o executivo fala ainda sobre a perspectiva da chegada dos chineses ao país e a maneira como o recall é conduzido pelas empresas no Brasil, que ele considera adequada. Belini é o primeiro presidente de uma montadora a assumir o comando da Anfavea, associação que representa 25 fabricantes que faturaram US$ 79 bilhões em 2009 e respondem por 23% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do país.

Eletricidade Carro elétrico não é nenhuma novidade, pois existe há mais de 100 anos. O sistema de armazenamento de energia é caro e inviabiliza a produção em larga escala. Nós temos no Brasil a melhor matriz energética. Para que usar o carro elétrico? Para evitar emissões de CO (monóxido de carbono). Porém, não se pode esquecer que o álcool também sequestra o gás carbônico. Já se tem um produto limpo no mercado. Na hora em que colocarmos o carro elétrico (no mercado), chegarem os períodos de baixa (de chuva) e tivermos de ligar as termelétricas, vai ser preciso queimar petróleo ou gás, o que irá gerar mais emissões de CO do que o álcool.

Baterias Pode ser que seja viável no futuro, com investimentos que o mundo está fazendo nas baterias, quando elas forem mais leves, com maior autonomia hoje elas têm autonomia de 150 quilômetros. O mundo está pesquisando alternativas, mas tem que encontrar o equilíbrio. Países que têm maior volume de hidrelétricas serão beneficiados para usarem o carro elétrico. Diferentemente de países que têm energia à base de termelétrica.

Híbridos Esses veículos podem ser a transição. Mas no futuro, pois são carros que custam muito caro. A tecnologia está disponível no mundo. No Brasil, levará alguns anos. Não temos parque de fornecedores desenvolvidos. Temos de criar a base de industrialização para depois chegarmos à montagem.

Produção É preciso ter mercado para aumentar a capacidade produtiva. Que venha o mercado que a produção a gente tira. Há dois anos a capacidade era de 3,5 milhões, tirando os gargalos, e agora já está em 4,3 milhões de unidades. Existe um plano de investimento das montadoras de US$ 11,2 bilhões que serão destinados justamente para produtos, processos, tecnologias e capacidade produtiva.

Comércio exterior O que aconteceu ao longo dos anos é que reduzimos muito as nossas exportações. Há cinco anos nós exportávamos quase 900 mil veículos e importávamos 90 mil. Hoje estamos exportando cerca de 600 mil, ou seja, 300 mil veículos a menos, mas a importação de 90 mil subiu para 550 mil veículos. O governo não pode aumentar alíquotas de importação, pois estamos no limite da Ordem Mundial do Comércio (OMC) de proteção. O Real vai continuar forte. Considerando essa premissa, nós temos que encontrar mecanismos para ser competitivos.

Competição Sem dúvida nenhuma é grande a competição. O que existe na realidade no mundo é que depois da crise de 2008 os mercados não se recuperaram totalmente. Temos 85 milhões de unidades de capacidade instalada no mundo e 60 milhões de consumidores. Temos um excedente de 25 milhões de capacidade. Como o Brasil tem mercado, os produtos chegam de uma forma muito competitiva aqui. Se as montadoras chinesas vierem nas mesmas condições e comprarem o aço da CSN e da Usiminas, comprarem peças do parque de autopeças, usarem mão de obra brasileira e pagarem todos os impostos da carga tributária que nós temos, a competição não assusta, pois o famoso custo Brasil está aí e nós já enfrentamos isso e elas terão que enfrentar também.

Recalls No caso do Fiat, com o Stilo, ganhamos na primeira instância para não pagar a multa (de R$ 3 milhões) do DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor). Agora o recall, normalmente, é uma prática que a própria montadora faz voluntariamente. Mas neste ano foi diferente...Recall não é mais tabu. É imagem positiva para a montadora, pois ela está zelando pelo cliente. Os órgãos do estado não estão aparelhados para fazer análises dessa natureza. No fundo, são os laboratórios das montadoras que têm maior capacidade de diagnóstico.

Na hora que colocarmos o carro elétrico (no mercado), chegarem os períodos de baixa (de chuva) e tivermos de ligar as termelétricas, vai ser preciso queimar petróleo ou gás, o que irá gerar mais emissões de CO do que o álcool