Título: Fim de linha
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2010, Opinião, p. 19

Os programas eleitorais de rádio e de televisão invadiram os lares brasileiros. Quem está em casa assistindo à televisão, quando chega o horário eleitoral, ou desliga o aparelho ou acompanha involuntariamente a lenga-lenga dos candidatos. Nas primeiras edições do programa, até que dá para vê-los com suas vozes macias e seus sorrisos exuberantes.

É curioso contemplar o visual de cada um e os tipos que representam. Parece que, nessa ocasião, os eflúvios do poder tomam conta de muitos dos postulantes. Dá para se ver o nível de despreparo de boa parte deles. Se alguém é bom contador de piadas e se cerca de ouvintes, pode ser até um bobo da corte, mas pode ser que dê um bom candidato. Por essas e outras parecenças é que a atividade política perde muito de sua relevância na sociedade.

A filtragem, se é que é feita, pouco depura do rol dos candidatos. As vagas são dadas aos mais insinuantes, aos mais desinibidos, aos bem-falantes, aos de melhor status social e, com alguma frequência, aos que melhor se expressem e se apresentem. Como é corriqueiro, esses últimos são os que mais problemas trazem para os partidos e coligações.

As pessoas corretas e honradas devem fazer ou devem continuar fazendo política. Do contrário, os mandatos seriam ocupados somente pelos que conspurcam a representação popular. É bom saber escolher bem para que somente os bons se elejam. Não é difícil saber quem é ficha suja e quem é ficha limpa numa lista de candidatos. Fichas sujas não são somente os que forem condenados por órgão coletivo julgador. Esses são legalmente inelegíveis, conforme está assentado na nova Lei de Inelegibilidades.

Estão moralmente inelegíveis, contudo, os que por atos de improbidade administrativa respondem por faltas graves cometidas. Só não foram definitivamente condenados porque se utilizam dos fartos meios procrastinatórios de defesa. Seus processos não acabam nunca. Às vezes se elegem e, nessa condição, passam a ser, quando ainda não são, titulares de foro especial, só podendo por tais tribunais ser processados e julgados.

Mesmo os candidatos fichas sujas não deveriam se valer do benefício da anterioridade da lei, a que se refere o art. 16 da Constituição, para se escusar da condenação imposta, se a decisão for proferida por órgão colegiado. O que deveria ser levado em consideração para impedir a candidatura é a falta cometida, pela sua própria natureza, e não o fato temporal, gerado pela decisão do órgão que a tenha lavrado.

Nessa hipótese, somente poderiam ser candidatos os que efetivamente não tivessem nenhum registro na vida pregressa que os incompatibilizasse com o mandato popular. Como se sabe que isso não é possível, porque regras constitucionais pertinentes ao direito de defesa e do contraditório não permitiriam, é necessário conviver com o que se tem. É difícil prognosticar quando o país se libertará dos que se aproveitam das fragilidades oferecidas pelo Estado. Por causa delas, lamentavelmente, continuam com as condutas suspeitas quem as tenham, causando impunidade revoltante.

A consciência livre do país deseja que a Lei da Ficha Limpa seja mantida. Após algumas hesitações e perplexidades, situei-me na convicção de que será árduo e penoso transporem-se os obstáculos impostos pelo princípio da irretroatividade da lei. Esse óbice se conjuga com a redação do art. 16 da Constituição, que determina que regra de processo eleitoral só terá vigência após decorrido o prazo de um ano de sua publicação.

Não se há de negar que há argumentos que militam a favor da manutenção da Lei Complementar nº 135, tal como se encontra. Apesar de achar que o texto fere, em algumas das disposições, princípios constitucionais, nem por isso se pode recusar a validade de argumentos que defendem a legitimidade constitucional dos institutos criados. Vou bater palmas para que os fichas sujas sejam barrados pela Justiça Eleitoral. Torço para que percam perante o Tribunal Superior Eleitoral e, se for o caso de recurso para o Supremo Tribunal Federal, que percam lá também. Será muito bom para a saúde do processo eleitoral em nosso país. Não posso, entretanto, deixar de manifestar ansiedade quanto a violações de institutos constitucionais protegidos pela Carta Política.

O problema é que não se sabe quando essas questões serão julgadas conclusivamente pelas diversas instâncias do Poder Judiciário. Não se sabe quando serão julgadas, por exemplo, pelo STF. Não há como se saber. Parece que o presidente da República não deve indicar ministro para a vaga existente no Supremo antes das eleições de outubro. Há também o fato de que dois ministros daquela Corte se encontram afastados para tratamento de saúde. É da tradição do tribunal não julgar questões da magnitude dessas da ficha limpa sem estar com composição completa.

O que é possível prever é que, enquanto no TSE a questão vai se tornando pacífica, no STF, não se sabe. Por precedentes conhecidos, as candidaturas incluídas na Lei da Ficha Limpa perderão na Justiça Eleitoral. Quando serão decididos todos os processos por essa corte? Ninguém terá condições de responder. A questão, no fundo, pela incerteza da data de julgamento no STF, pelo menos aparentemente, por obra do fato consumado, poderia pender para o lado da conservação das decisões proferidas pelo TSE. Se non è vero, è bene trovato.