Título: "Os criminosos descobriram que podem agir a qualquer hora"
Autor: Cristiane Agostine e Patrick Cruz
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Política, p. A7

Secretário Nacional de Segurança Pública no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o coronel reformado da PM paulista José Vicente da Silva Filho tornou-se um consultor para a área de segurança pública e prestou assessoria para os governadores Jarbas Vasconcelos (Pernambuco), César Borges (Bahia) e Tasso Jereissati (Ceará) entre 2000 e 2002. Hoje coordena pesquisas sobre o tema no Instituto Fernand Braudel, em São Paulo. O coronel não descarta a aproximação entre o PCC e a informalidade, como no caso dos perueiros e ambulantes, mas diz que os ataques ainda não visam alvos civis. Ontem, manteve contato com diversas autoridades do sistema de segurança e , por telefone, concedeu ao Valora seguinte entrevista:

Valor: As ações que ocorreram na madrugada de ontem, com ataques a bomba a supermercados e concessionárias, indicam uma mudança de patamar na estratégia do PCC, que estaria se aproximando do terrorismo contra a população civil?

José Vicente da Silva Filho: Não acredito nessa possibilidade. O que houve foi uma ação estabanada, como possível consequência da prisão do BH, que teria uma posição de liderança nesta organização criminosa, não há a lógica e nem a tática que muitos apontam nos ataques. Escolheram atacar de madrugada, por exemplo, horário em que não haveria vítimas dentro destes estabelecimentos, apenas porque a vigilância policial diminui. Se o policiamento ostensivo for levado à saturação, como deve acontecer, as manifestações cessam. Mas eles descobriram que podem fazer atos como estes a qualquer hora que queiram.

Valor: Estes ataques ocorrem pouco depois da explosão de uma bomba dentro de um trem urbano, ato atribuído a ação de ambulantes impedidos de trabalhar. Pode haver alguma conexão do PCC e a informalidade?

José Vicente: Esta ligação com máfias de ambulantes e perueiros é uma hipótese que não pode ser descartada. Existem indícios nesta direção que já estão sendo investigados. O uso de bombas em supermercado, por exemplo, chama a atenção. O perfil das ações do PCC é outro, eles costumam atirar nos alvos. Já na mega-rebelião de maio, ficou claro que os incêndios de ônibus eram iniciativa de vândalos ligados a perueiros. Mas ainda é prematuro afirmar que há conexão entre o PCC e estes outros grupos. O PCC não é o único grupo criminoso nem dentro dos presídios. Às vezes há guerras surdas entre eles, às vezes ações oportunistas.

Valor: Mas o fim simultâneo da rebeliões nos presídios em maio não foi uma prova do controle do PCC?

José Vicente: Não necessariamente. Qualquer rebelião em presídio tem um ciclo, não dura mais que 48 horas, que é o máximo que se suporta em um ambiente sem comida, sem condições de dormir, etc. O fim simultâneo não surpreendeu.

Valor: Desde a rebelião de maio, qual foi a ação concreta para combater o crime organizado?

José Vicente: O que foi feito de mais positivo foi o ajustamento da inteligência do sistema, com a substituição no secretariado (o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, foi trocado por Antonio Ferreira Pinto). Não havia integração entre as máquinas. A polícia tinha deixado de cuidar dos bandidos que estão presos. Ela não os monitorava mais. A Polícia se recusava, em função da falta de diálogo das cúpulas. Agora, a cooperação existe. O saldo concreto deste trabalho pôde ser visto no desmantelamento de um grupo na região do ABC paulista que se preparava para ataques , no final de junho.

Valor: O secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro de Abreu Filho, acusou o antigo secretário de "permissividade além do razoável "com os presidiários, perdendo o controle das cadeias. O senhor concorda com esta crítica?

José Vicente: Não acho que faltou rigor. O equilíbrio em um sistema prisional é sempre precário. Não pode haver nem concessões exageradas e nem intolerância. O que agravou o problema não foram supostas concessões exageradas, mas a falta de integração entre as duas secretarias. Se formos distribuir culpas, vamos ter que distribuir para todo mundo.

Valor: Qual foi a principal falha operacional no sistema policial de segurança?

José Vicente: Episódios como estes provam que ainda há falhas do sistema de inteligência. Não se consegue antever as ações e a comunicação entre o lado de dentro dos presídios e o lado de fora não foi cortada, as próprias autoridades reconhecem isto. Talvez a solução para melhorar o monitoramento do sistema seja a fusão entre as duas secretarias.

Valor: Qual seria a vantagem disto?

José Vicente; Nesta situação de crise, não se administra um sistema de 140 mil presos sem que a Polícia esteja presente. A integração das estruturas hoje depende de perfis pessoais e em uma crise como essa o funcionamento pode ser melhor em uma relação de subordinação, e não de cooperação.