Título: Acuado, Saulo ataca o governo federal
Autor: Cristiane Agostine e Patrick Cruz
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Política, p. A7

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, reagiu com ataques ao recrudescimento das ações violentas do Primeiro Comando da Capital (PCC). Acusou o governo federal, a gestão anterior da Secretaria de Administração Penitenciária e a imprensa. O governador Cláudio Lembo (PFL) apenas divulgou uma nota oficial dizendo que não precisará da Força Nacional de Segurança, oferecida pelo governo federal, mas ressaltou que trabalha em "total harmonia" com a União. E deixou a cargo do secretário o desgaste pela defesa da atuação do governo.

Saulo de Castro foi alcançado ainda por duas outras más notícias. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou ontem denúncia contra ele por abuso de poder. Proposta em 2005 pelo procurador-geral da Justiça, Rodrigo César Rebello Pinho, a denúncia refere-se ao acionamento do Grupo de Operações Especiais (GOE) pelo secretário para verificar a causa de congestionamento em que ficou preso, quando estava a caminho de um restaurante. Na Assembléia Legislativa, 24 deputados protocolaram representação contra Saulo, na Procuradoria Geral de Justiça, por desacato ao Legislativo estadual, reclamando de sua postura desrespeitosa durante uma audiência realizada em junho.

Diante da repercussão das 71 ações do PCC no Estado, Saulo convocou entrevista coletiva. A seu lado estavam somente o secretário de Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto, e o comandante da Polícia Militar, coronel Elizeu Eclair Teixeira.

O secretário minimizou os ataques do grupo criminoso, garantiu que a situação está sob controle e mirou o Palácio do Planalto para desviar o foco dos questionamentos sobre suas ações à frente da Segurança. Ao explicar que o governo paulista não aceitará o envio da Força Nacional de Segurança, disse que não se trata de "soberba" e ironizou: "Trata-se de uma força virtual. Devia ser www.forçanacional.com.br. Ela não existe", disse. "Não é que São Paulo recuse o auxílio. Ele nunca foi oferecido olho no olho. Estão vendendo algo que não existe. Assim, torna-se um factóide".

Para justificar a recusa, lembrou o enviou de tropas federais para o Mato Grosso do Sul e Espírito Santo que, em sua opinião, "foi um fracasso". Desde 20 de junho, cerca de 200 homens da FNS estão no policiamento de penitenciárias capixabas destruídas em rebeliões coordenadas pelo PCC. Um efetivo similar foi deslocado para Mato Grosso do Sul no mês passado para reforçar a segurança após rebeliões que destruíram os principais presídios do Estado.

A resposta do governo federal veio no mesmo dia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou o controle da situação pelo governo do Estado de São Paulo, ante os novos ataques. "Eles dizem que não precisam (de ajuda federal) e eu parto do pressuposto que eles dizem que têm controle. Mas, se têm controle, não poderia estar acontecendo o que está acontecendo", disse, após participar da abertura da 2ª Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizada em Salvador.

Lula classificou a onda de violência em São Paulo como "grave" e disse aguardar apenas o sinal de Lembo para tomar medidas mais diretas. "Enquanto o governador disser que não precisa, nós não temos como fazer nada. Na hora que achar que é oportuno, que nos diga. Essa é uma questão que só será resolvida com a aquiescência do Estado". A oferta deve ser reiterada hoje pessoalmente ao governador Lembo, pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Em maio, na primeira onda de ataques promovidos pelo PCC, 123 pessoas morreram entre os dias 12 e 19. Na ocasião, o governador também abriu mão da presença de tropas federais. Na ofensiva de ontem do grupo criminoso, mais cinco pessoas morreram.

Para defender a presença de forças federais em São Paulo, Lula citou os casos do Espírito Santo e do Mato Grosso do Sul. "É só perguntar se lá a situação está melhorando. Mandamos policiais preparados e treinados " , disse Lula. "Temos a guarda nacional, o Exército e a inteligência da Polícia Federal. O governador disse que não é preciso porque teria efetivo da polícia de sobra " , afirmou o presidente.

Saulo, por sua vez, disse aceitar a ajuda do Exército e da Polícia Federal, mas voltou a estocar o governo federal. Segundo ele, além da falta de contingente, a PF não tem nem material básico. "O Exército é bem-vindo. Nos interessa que a Polícia federal trabalhe bem. Se o fizerem, isso vai se refletir no nosso trabalho. O problema é que eles não têm gente, nem material básico. Às vezes, até papel temos de emprestar", afirmou o secretário.

A crise em São Paulo completou dois meses. A ação de ontem da facção criminosa, orquestrada em 18 municípios, danificou bases das polícias civil e militar, ônibus, bancos, prédios públicos, lojas e supermercados. Duas explicações foram apresentadas para o novo levante. Uma delas aponta para a transferência, ainda não realizada, de 40 líderes do PCC para o presídio federal recém-inaugurado em Catanduvas, no Paraná. A outra, a prisão de uma liderança da facção na terça-feira, Emivaldo Silva Santos, conhecido como "BH".

Saulo acredita que os ataques são uma represália à transferência e atacou duramente a imprensa por divulgá-la. "Criou uma falsa expectativa nos presos", disse. O secretário questionou também a promessa feita por Marcio Thomaz Bastos de reservar vagas para São Paulo, na inauguração da penitenciária. "O governo correu para inaugurá-la e colocar placa. Até agora só houve promessa e empurraram com a barriga. O que existe é apenas um prédio e

o diretor que dá entrevistas".

A possibilidade de a violência se transformar em questão eleitoral, na opinião de Lula, é inevitável. "Ou então, vamos criar um país de mudos, porque não se pode falar nada. Os bandidos não estão preocupados se vai ou não vai ter eleição. Estão aterrorizando São Paulo, e nós temos que tomar atitudes".

O secretário de Segurança do governo paulista garantiu que não fez nenhum tipo de acordo com o PCC, mas insinuou que o ex-secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, negociava com a facção. "Havia uma permissividade além do que achamos razoável. E o temor era esse, de que um dia, ao aumentar o rigor, houvesse um recrudescimento. Estamos pagando essa fatura", afirmou. Apesar de os dois ocuparem cargos-chave no combate à violência no Estado, as divergências entre eles impediram ações coordenadas no combate ao crime organizado durante o governo de Geraldo Alckmin (PSDB).