Título: Lula tenta afastar os temores de um segundo mandato 'chavista'
Autor: Raymundo Costa e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Poítica, p. A8

Prevenindo-se de uma eventual crise de confiança no meio empresarial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a enviar sinais mais claros do que pretende fazer no segundo mandato: o PT perderá a hegemonia do governo, especialmente na área econômica, e a política fiscal será mantida, ao contrário do que possam sugerir recentes medidas, como o aumento salarial dos servidores públicos.

O recado já teria sido passado, inclusive ao presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), segundo relatou em uma reunião recente com empresários, realizada em São Paulo, um interlocutor do presidente com trânsito e credibilidade no meio empresarial.

Durante o encontro, que teve a presença de cerca de 180 empresários, o interlocutor de Lula registrou que os convidados começavam a manifestar dúvidas sobre a convicção fiscalista e ortodoxa do governo na área econômica e a assimilar a idéia, difundida pela oposição, de que, uma vez reeleito, Lula iria "se revelar", ou seja, mostrar a face "chavista" e populista que teria ocultado até agora.

"É um equívoco", reagiu o amigo do presidente, que já observara manifestações semelhantes em outras ocasiões. "O Lula entendeu que quem elegeu o PT foi ele. Não foi o PT que o elegeu", explicou. Ao deputado Ricardo Berzoini, o presidente teria dito que não entregaria mais o governo ao PT, como fez ao tomar posse no cargo, em janeiro de 2003.

Naquele ano, Lula entregou a petistas 20 dos 34 ministérios e secretarias com status de ministério. Boa parte daqueles ministros foi nomeada para acomodar tendências do PT e companheiros derrotados nas eleições estaduais de 2002. Até por esse motivo, Lula descartou de última hora, naquela ocasião, uma aliança com o PMDB, partido com o qual agora espera contar no núcleo da base de sustentação política do governo no Congresso - uma espécie de "federação" de centro-esquerda que contaria com a colaboração, inclusive, de setores do PSDB.

Por outro lado, o PT com o qual Lula espera governar num segundo mandato seria bem diferente do PT que assumiu com ele em 2003. Além do processo que alijou do partido os setores mais à esquerda, com as expulsões de deputados e a formação do PSOL, que abrigou os mais radicais, o grupo que hoje controla a sigla teria se tornado mais pragmático no exercício do poder, como demonstraria o comportamento dos petistas nas últimas votações. Isso ocorreu, especialmente, na apreciação da medida provisória que dispõe sobre o reajuste dos aposentados, quando o PT foi inteiramente solidário à necessidade do governo de vetar o aumento de 16,67% proposto pelo Congresso.

Entre os nomes do PT para um segundo mandato de Lula, dois têm se sobressaído: a ministra Dilma Roussef (Casa Civil) e o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli. Dilma tornou a Casa Civil um verdadeiro centro de operações do governo, a exemplo do que fazia Clóvis Carvalho no governo Fernando Henrique Cardoso. Ela teria aprendido que "o telefone existe para dar ordens", como diz o interlocutor de Lula, numa ironia à tradição do PT de fazer longas reuniões antes de tomar qualquer decisão.

Gabrielli, dirigente da maior estatal brasileira, tornou-se um assíduo freqüentador da "cozinha" do presidente, alguém que Lula ouve sobretudo em relação à economia. Há dúvidas sobre a permanência de Guido Mantega no comando da Fazenda, muito embora se registre sempre no Palácio do Planalto que "há (nos setores empresarial e financeiro) uma má vontade muito grande" em relação ao ministro. Segundo interlocutores do presidente, Gabrielli pode vir a ser o ministro da Fazenda de um segundo mandato, com Mantega sendo deslocado para outra Pasta.

Peça-chave na costura da aliança com o PMDB, Tarso Genro (Relações Institucionais) deve continuar no ministério, mas há dúvidas sobre se será mantido à frente da coordenação política do governo. Nessa nova geografia política, PMDB e PT formariam a base de uma espécie de "federação" de centro-esquerda para apoiar Lula.

Não se trata necessariamente da criação de um novo partido, mas o governo espera agregar setores do PSDB e deputados eleitos por legendas que não cumpram a cláusula de desempenho nas eleições. A expectativa é que o PMDB faça a maior bancada na Câmara, algo em torno de 80 deputados, bem à frente do PT, com cerca de 50. O "núcleo duro" da sustentação política na Câmara, apostam os aliados do presidente Lula, teria uns 160 deputados.

Com o PT enfraquecido em relação a 2002, Lula teria facilidade para compor um segundo governo mais amplo que o primeiro.