Título: Eleitores desconfiados
Autor: Taffner, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2010, Cidades, p. 25

Câmara Legislativa e Governo do Distrito Federal são as duas instituições menos confiáveis para a população. Apenas 13,9% dos brasilienses acreditam nos distritais e 19,5%, no Executivo local

Sou brasiliense. Às vezes é difícil valorizar o lugar em que vivo, mas eu gosto de morar aqui. A declaração de Fernanda Mac-Ginity, 23 anos, estudante de sociologia e moradora do Guará, coincide com a opinião da maioria dos habitantes da capital da República. O Distrito Federal é um bom lugar para se viver, com qualidade de vida superior à de outras regiões do país, mas com problemas graves a serem resolvidos. De acordo com pesquisa feita pelo Instituto FSB Pesquisa e publicada exclusivamente pelo Correio (veja quadro), a crise política provocada pela Operação Caixa de Pandora fez ruir a confiança do brasiliense em relação à classe política.

O estudo, resultado da parceria entre o instituto e o jornal, buscou conhecer o perfil do eleitor do DF, além de descobrir as prioridades e os valores que devem ser apontados pelos políticos para conquistar os votos dos brasilienses. Dos 1.004 entrevistados, apenas 13,9% disseram confiar nos deputados distritais o mais baixo patamar do ranking. A instituição com o segundo menor nível de confiança é o Governo do Distrito Federal. Somente 19,5% dos brasilienses dizem confiar no Executivo local. Além disso, de acordo com o levantamento, mais da metade da população (56,9%) enxerga a cidade como a capital da corrupção.

Descrente das instituições políticas, o eleitor do DF já elegeu duas prioridades para o próximo governador. De acordo com a a pesquisa, o principal problema é a saúde pública, apontada por 31,6% dos entrevistados. Em segundo lugar vem a segurança, com 22,7%. O terceiro item mais lembrado é mais um sinal da descrença em relação à classe política: 9,7% dos entrevistados elegeram a corrupção na Câmara Legislativa como o maior problema de Brasília.

As entrevistas foram feitas entre 5 e 8 de agosto, com pessoas de 18 a 81 anos, em diferentes regiões administrativas, respeitando as características da população local. O nosso objetivo foi entender o que se passa na cabeça do brasiliense depois de um período de grave crise política causada pelas denúncias da Operação Caixa de Pandora (leia Memória), explica o cientista político Wladimir Gramacho, diretor do Instituto FSB.

O resultado revela um grande índice de desconfiança nos políticos, principalmente nos representantes da cidade. De uma lista de instituições, o GDF e a Câmara Legislativa foram as mais mal avaliadas. O Executivo não é confiável para 71,9% dos entrevistados, enquanto o parlamento local é desacreditado por 77%. Essas duas instituições ficaram atrás dos respectivos órgãos nacionais, governo federal e Congresso Nacional. Entre as entidades com maior nível de confiança estão a família, a Igreja e as Forças Armadas. Ver uma democracia jovem como a brasileira com tanta falta de credibilidade institucional é uma constatação muito ruim. É importante observar que nessa situação a população acaba se voltando para um ambiente mais conservador, avalia o cientista político.

Orgulho ferido Fernanda pretende votar nulo nas próximas eleições. Pelo menos para o cargo de governador. Ela explica que a decisão vem em contrapartida a uma falta de opção. Na visão da jovem, após os escândalos políticos e as alianças formadas na corrida eleitoral, fica difícil confiar na política. Sei quem são os piores, mas não dá para acreditar em alianças de candidatos a governadores com gente ligada aos governos anteriores, diz a estudante.

As denúncias de corrupção são motivo de vergonha para os moradores do DF. Entre a imagem de capital da esperança ou da corrupção, a maioria acredita que a segunda tomou conta do imaginário popular. O orgulho do brasiliense é ferido, principalmente, quando viaja para outros estados, uma vez que 11,8% dos entrevistados revelaram ter sido vítimas de algum tipo de preconceito em

outra cidade brasileira por dizer que moravam em Brasília. Esse índice de percepção aumenta entre as pessoas com maior renda, que têm mais condições para viajar, pontua Gramacho.

Imagem De acordo com o cientista político, o principal compromisso do próximo governador será com a restauração da imagem política da capital. Ele não tem capacidade para resolver os problemas da cidade sem a participação da população. Mas em que medida as pessoas vão se engajar se não confiam no promotor das políticas públicas?, questiona. O professor de inglês Ronaldo Mangueira Lima, 27 anos, morador de Sobradinho, diz que terá de escolher o candidato menos pior. Confio muito pouco na política local, principalmente depois dos escândalos que passamos. O que penso do Executivo e do Legislativo só vai mudar depois das ações dos próximos governantes, afirma.

Gramacho destaca a falta de referências locais como um entrave para o desenvolvimento social, que poderia ajudar no processo de restauração do orgulho dos moradores da capital. Diferentemente de outras cidades, Brasília não tem heróis consolidados, influências e nem acúmulo histórico que reflita na formação da identidade, comenta. Outra causa é a ausência de uma cultura de produção. Dos entrevistados, 11,6% são servidores públicos e, entre as demais pessoas, 45,9% querem prestar algum concurso. Existe uma enorme gincana em torno dessas vagas, mas isso é negativo porque limita o espaço de criatividade. No setor público, as regras estão pré-definidas. Não existem pessoas inovando, criando ou abrindo empresas.

O nosso objetivo foi entender o que se passa na cabeça do brasiliense depois de um período de grave crise política causada pelas denúncias da Operação Caixa de Pandora Wladimir Gramacho, diretor do Instituto FSB

Memória Vergonhoso escândalo

Em 27 de novembro de 2009, a Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), deflagrou a Operação Caixa de Pandora para investigar um suposto esquema de corrução. A ação teve origem nos depoimentos de Durval Barbosa, então secretário de Relações Institucionais do DF. Com a ajuda de escutas ambientais e gravações de vídeos, ele afirmou que o governo pagava propina aos parlamentares para conseguir aprovar projetos na Câmara Legislativa. Os vídeos gravados por Durval revelaram cenas que chocaram a opinião pública e resultaram no desmonte do governo Arruda. As denúncias também abalaram a imagem da Câmara. Filmado colocando dinheiro até nas meias, o então presidente da Casa, Leonardo Prudente (sem partido), renunciou. O mesmo caminho tomou Júnior Brunelli (sem partido), que ficou conhecido ao protagonizar a Oração da Propina. Eurides Brito (PMDB), também filmada guardando maços de dinheiro na bolsa, foi cassada.