Título: Dois meses depois, o PCC volta a espalhar o terror
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Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Opinião, p. A10

São Paulo viveu ontem um novo dia de terror. Das 22 horas de terça-feira até as 14h30 minutos de ontem, atentados promovidos pelo PCC já haviam atingido 53 alvos e produzido 5 mortes. Na terça-feira, o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, deu uma memorável entrevista em Campinas. A propósito do atentado do dia, disse que havia sido feito "um molequinho bobinho que quer brincar de herói". Segundo o governador, a ordem para ataques contra policiais e alvos civis partiu - verbo no passado - de dentro dos presídios, mas "hoje os presídios têm disciplina". "Houve um período nos presídios em que não havia disciplina e eles [presos] dominavam. Hoje não dominam mais. Está sob controle da Secretaria da Administração Penitenciária, dos agentes penitenciários e da PM", disse o governador.

Desde maio, quando aconteceram os primeiros dias de terror patrocinados pelo PCC, o sistema penitenciário e a segurança pública paulistas chegaram ao caos. Cerca de 50 policiais e agentes penitenciários foram assassinados. Do lado de fora dos presídios, o poder público estava, portanto, exposto à ira do PCC. É a barbárie. Do lado de dentro dos presídios depredados, presos são punidos pela barbárie ocorrida do lado de fora com um tratamento igualmente bárbaro e desumano. No presídio de Araraquara, destruído por uma rebelião, 1500 presidiários estão confinados em um pátio, ao relento, num espaço onde só cabem 500, cuidando de seus próprios feridos - à bala de borracha, segundo a polícia, ou à bala de verdade, segundo os presidiários - , com portões soldados e recebendo comida içada pelo teto.

Sessenta dias separaram a primeira da segunda onda de ataques. Nesse meio tempo, centenas de pessoas foram mortas em ações da polícia e até hoje a Secretaria de Segurança Pública não esclareceu se todas elas estavam, efetivamente, em ações do crime organizado e se realmente resistiram à prisão. Ainda não está claro se essas mortes foram retaliações - indiscriminadas, estendidas à população da periferia que não tinha nada a ver com o PCC - ou ações estritamente de repressão ao crime.

Não existe clareza, aliás, de qual política de segurança está sendo levada a termo pelo governo paulista. De um lado, a truculência impera: nas ações de combate ao PCC e nos presídios, onde os presos estão sendo tratados como animais. Do outro, um diálogo pouco convencional com o crime. Em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, em sessão reservada, no dia 8 de julho, ocorrida na penitenciária de Presidente Bernardes, o chefe do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, disse aos parlamentares que foi procurado pelo diretor do Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt, no dia 12 de maio, primeiro dia de atentados ao Estado. Bittencourt, segundo Marcola, teria aceito negociar comida, cobertores e direito a banho de sol para 765 presos transferidos para o Presídio de Presidente Venceslau, em troca do fim dos ataques. A negociação teria sido abortada pela recusa do então secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. Dois dias depois, quando a situação já era insustentável, autoridades voltaram a procurar o líder do PCC, desta vez na presença da advogada do preso, Iracema Vasciaveo.

Dois meses é tempo suficiente para entender por que a situação chegou a esse ponto, onde foi que o Estado falhou e fazer correções de rumo. Não parece, até agora, que os responsáveis pela Segurança Pública de São Paulo estejam dispostos a uma autocrítica, nem tampouco a uma revisão da política. O que ficou claro é que os números exibidos a todo momento pela Secretaria de Segurança como provas de vitória contra o crime traziam subjacente o germe de um crime que se organizava e controlava todo o Estado, chegando a se expandir para além de suas fronteiras. O governo estadual pode exibir o número que quiser: não há estatística que possa provar que a situação está sob controle. Basta andar pelas ruas e ver ônibus incendiados, agências bancárias depredadas e o medo estampado no rosto dos policiais que se protegem atrás de armas. Basta olhar para as fotos aéreas dos milhares de pessoas amontoadas no pátio do presídio de Araraquara.

Basta olhar para o lado para ver que a política de segurança do Estado, uma mistura de truculência policial com negociações com bandidos, não deu minimamente certo.