Título: Crimes e penas no Brasil
Autor: César Mattos
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Opinião, p. A10
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tem reiterado que não caberia uma revisão das penas inscritas no Código Penal brasileiro para fins de redução da criminalidade no país. Conforme o ministro, a desejada redução dos crimes no Brasil passaria mais pelo aumento da probabilidade de punição do criminoso, ou seja, da certeza da pena, do que pelo tamanho da pena imposta.
Consideramos essa avaliação interessante, dado que ministro utilizou uma típica análise do ramo da ciência econômica do direito, a qual se guia pelas conseqüências das regras do sistema criminal sobre o comportamento futuro dos potenciais criminosos e não por fatores de ordem ética e moral muitas vezes levantados nessa discussão. Considerações relativas a calibrar as penas com o objetivo de "fazer justiça" ou "vingança" não têm lugar neste tipo de análise que se baseia na idéia do "crime racional" consagrado por seminal artigo de Gary Becker ("Crime and Punishment: An Economic Approach". Journal of Political Economy 76, 1968) .
A premissa fundamental é que os criminosos, de forma similar aos agentes da teoria econômica, realizam uma análise custo-benefício sobre se vale a pena ou não cometer a infração. A variável-chave, do ponto de vista do criminoso, é naturalmente o "valor esperado da punição", representado pela multiplicação da probabilidade de punição com o tamanho da pena.
A probabilidade de punição tende a ser tão maior quanto mais recursos financeiros forem disponibilizados pelo Estado às forças de segurança. O tamanho da punição também é influenciado pelo Estado através das penalidades inscritas na lei penal. Sendo assim, o Estado influencia as duas variáveis cruciais que compõem o valor esperado da pena.
Dadas as restrições orçamentárias do governo, é fundamental avaliar o custo relativo das estratégias de aumento da probabilidade e do tamanho da punição. No primeiro caso, o custo se refere à contratação de efetivo policial, maiores salários, mais treinamento, mais equipamento, dentre outros gastos. No segundo caso há também custos ex-post na forma de mais tempo do preso nos presídios. Não há como saber a priori qual será o custo relativo de cada uma dessas estratégias para efeito de uma dada redução desejada da criminalidade. É possível que, mesmo sendo a certeza da pena realmente mais importante, seu custo pode ser tão alto que aumentar a punição pode acabar sendo uma ação mais factível.
A análise econômica do direito destaca que o efeito relativo do tamanho e da probabilidade de punição sobre a criminalidade depende fundamentalmente das atitudes do infrator em relação ao risco. Diz-se que o criminoso é neutro ao risco quando ele responder de forma proporcionalmente equivalente a essas duas variáveis. Ele será propenso ao risco quando responder mais que proporcionalmente à probabilidade do que ao tamanho da punição, e avesso ao risco no caso oposto. Nas análises econômicas, em geral, considera-se que os agentes tendem a ser mais avessos do que propensos ao risco. Ou seja, se oferecerem a algum agente um valor de R$ 100 com certeza ou, com probabilidade de 50% cada um, R$ 200 e R$ 0, usualmente ele irá preferir a primeira alternativa (os jogadores contumazes seriam a exceção).
Probabilidade de punição aumenta de acordo com recursos financeiros que o Estado disponibiliza às forças de segurança E quando os agentes em tela são criminosos, qual a hipótese mais razoável, aversão ou propensão ao risco? Dois estudos clássicos sobre o assunto são informativos sobre o assunto. Isaac Ehrlich ("Participation in Illegitimate Activities: A Theoretical and Empirical Investigation", Journal of Political Economy, 81, 1973) encontrou que a probabilidade de punição seria, de fato, mais relevante que sua magnitude para o caso de roubos. Já Ann Witte (Estimating the Economic Model of Crime with Individual Data, 94,1980) descobriu que a força desses fatores depende do tipo de crime. Enquanto para crimes violentos o tamanho da punição se revelou mais importante que a certeza da pena (assassinos são mais avessos ao risco), o inverso se verificava para roubos (ladrões são mais propensos ao risco). Assim, seguindo essa evidência, a lógica do ministro se aplicaria para crimes de roubos, mas não para crimes violentos.
Muitos desses resultados dependem de qual a probabilidade e a magnitude atuais das punições. Quanto maiores esses valores, menor a capacidade de aumentá-los. Acredita-se, por exemplo, que seja mais fácil (ou custe menos) aumentar a probabilidade de punição de 5% para 10% do que de 90% para 95%. No jargão dos economistas, diz-se que há "retornos marginais decrescentes" para essas variáveis. No caso do Brasil, como ambas, a probabilidade e a magnitude de punição, são baixas, pode-se concluir que o retorno associado ao incremento dessas variáveis é alto, mas é difícil conhecer a priori qual é o maior. Isso também dificulta a verificação da validade da afirmação do ministro.
Outro ponto crucial que se considera nessa literatura é de que tempos maiores de prisão geram a chamada "incapacitação" do criminoso para a prática de outros crimes por um período mais amplo, um evidente benefício de penas mais elevadas. Uma evidência empírica consistente não apenas no Brasil como internacionalmente é que ex-presidiários apresentam uma probabilidade bem maior de reincidência do que indivíduos que nunca passaram pela prisão. Isso aumentaria o benefício relativo do aumento da punição em relação à probabilidade de punição, o que iria em direção oposta à afirmação do ministro.
Cabe relativizar, no entanto, quando a incapacitação é, de fato, relevante para reduzir a criminalidade. Para certos crimes, como o tráfico de drogas, à prisão de um infrator segue-se quase que imediatamente sua substituição por outro. Mais uma vez abusando do jargão, pode-se dizer que a oferta desse tipo de criminosos é "elástica", o que reduz os benefícios desse fator de incapacitação. Adicionalmente, é sabido que quanto menor a idade, maior propensão ao crime. Depreende-se que as penas reduzidas para menores de idade, verificadas no Brasil, geram um número proporcionalmente elevado de anos a mais no crime, o que nos leva à questão da "maioridade penal". Por fim, especificamente no Brasil, se tem demonstrado que o mero encarceramento não elimina plenamente a ação dos criminosos, dado o uso de celulares nos presídios.
O ponto a destacar é que o efeito do tamanho das penas é longe de ser trivial. Crimes diferentes podem ter lógicas distintas entre si, convergentes ou não à afirmação do ministro. No Brasil, há uma sensação geral de impunidade em relação aos atos criminosos resultante não apenas da baixa probabilidade de punição, mas também das baixas penalidades aplicadas. O homicídio simples no país implica reclusão entre 6 e 20 anos e o qualificado entre 12 e 30 anos. O condenado, no entanto, pode ter sua pena bastante reduzida, trabalhando, tendo "bom comportamento" e até tendo filhos. Uma combinação desses fatores, por exemplo, reduziu a pena dos assassinos da jovem atriz Daniella Perez em 1992 (morta com 18 golpes de tesoura) de 19 anos para pouco mais de 6 anos. Ou seja, em dos casos mais paradigmáticos de assassinatos cruéis no Brasil, aplicou-se, na prática, o mínimo previsto para homicídio simples, reflexo evidente da excessiva leniência da lei criminal brasileira.
Em suma, a afirmação do ministro da Justiça ilustra uma forma de raciocínio que deveria servir de parâmetro para se rediscutir o sistema criminal no Brasil. Nesse contexto, o instrumental da análise econômica do direito, com base em dados concretos sobre o comportamento criminoso no Brasil, pode ser de grande valia. E, acreditamos, ser razoável postular que um incremento das penas efetivas para crimes violentos poderá ser um dos ingredientes fundamentais de eventual reforma.