Título: Reeleita, Cristina fica sob pressão para acelerar ajuste
Autor: Felício,César
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2011, Internacionlal, p. A9

Reeleita presidente, a argentina Cristina Kirchner pode se ver obrigada a tomar medidas econômicas antes de anunciar o seu novo gabinete, que toma posse em 10 de dezembro. A pressão sobre o câmbio pode reforçar o poder do vice-presidente eleito, Amado Boudou, que tenta controlar a sua sucessão no Ministério da Economia. Ontem, 24 horas depois da ampla vitória eleitoral no domingo, o Banco Central argentino teve que gastar mais US$ 150 milhões para manter o câmbio estável, em 4,26 pesos para a venda de um dólar.

"As intervenções do Banco Central já duram três meses e levam a um gasto de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões por dia para sustentar a moeda. Ainda faltam 35 dias úteis para o novo gabinete. Caso não aconteça nada, isso significa um gasto adicional de US$ 5 bilhões a US$ 7 bilhões, o que pode levar as reservas internacionais a estarem próximas de US$ 40 bilhões. É um risco muito alto, não dá para esperar ", comentou o economista José Luis Espert, consultor empresarial.

Segundo comentários de fontes do meio empresarial ao Valor, Boudou trabalha por dois nomes para sucedê-lo: o secretário de Finanças da pasta, Hernán Lorenzino, e Diego Bossio, diretor da AnSeS, a entidade encarregada de administrar os recursos de fundos de pensão. Mas também estão cotados membros do governo distantes de Boudou, como a presidente do BC, Mercedes Marcó del Pont, a ministra da Produção, Debora Giorgi, ligada à União Industrial Argentina, o vice-ministro e deputado eleito Roberto Feletti e o ultrakirchnerista diretor da Afip, Ricardo Etchegaray, responsável pela arrecadação.

O meio empresarial argentino, que mantém frequente interlocução com Boudou, é a favor de um afrouxamento da política cambial, que seria acompanhado de uma subida gradual das taxas de juros interbancários, hoje negativas em termos reais, e de um corte de despesas públicas, sobretudo no pagamento de subsídios à energia e transporte, que consomem cerca de 4% do PIB. Caso a nomeação recaia em nomes distantes de Boudou, o que se espera é a chamada "aprofundamento do modelo", por meio da qual não se descarta a possibilidade de serem fixadas taxas múltiplas de câmbio, e se prevê um novo esforço tributário por meio de um aumento de taxações e o incremento de políticas protecionistas para tentar ampliar o saldo comercial.

Na edição de ontem do jornal "La Nación" foi noticiado que Boudou teve um encontro na última quinta-feira com empresários em que afirmou que até março poderá haver uma correção da política monetária e cambial, em que a relação entre dólar e juros atingiria um novo ponto de equilíbrio. Em meio a esse movimento, o governo tentaria fomentar acordos de preços e de salários para reduzir as expectativas inflacionárias. Mas o próprio Boudou teria admitido durante o encontro que a presidente Cristina Kirchner ainda não estaria convencida da necessidade das medidas.

A permanência da pressão sobre o câmbio pode fazer a balança do poder pender para o vice-presidente eleito. "À medida em que a tendência de valorização do dólar se acentuar, a possibilidade de mudanças no cenário econômico antes da posse de 10 de dezembro ganhará força", comentou o economista Ricardo Delgado, da empresa de consultoria Analytica.