Título: Maioria da população rejeita, em plebiscito, dividir o Estado do Pará
Autor: Agostine,Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2011, Política, p. A6

A maioria dos eleitores do Pará rejeitou ontem a divisão do Estado para a criação dos Estados de Carajás e Tapajós, em plebiscito realizado ontem. Foi a primeira vez que a população brasileira foi às urnas para decidir sobre a criação de um Estado. Com 99,17% das urnas apuradas, às 22h28, 66,01% eram contrários à criação de Tapajós e 66,52%, à de Carajás. A abstenção superava os 25%.

De acordo com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski, não houve nenhum incidente e nenhuma prisão. O ministro disse que o TSE chegou perto da "perfeição" na consulta popular de ontem. "De 18 mil urnas, tivemos problemas em apenas 28. Não tivemos nenhum voto em papel", disse ontem.

O presidente da frente contrária à criação de Carajás, deputado federal Zenaldo Coutinho (PSDB), disse que o resultado "foi o melhor possível". "Isso confirma o desejo de manter o Pará unido", comentou.

Já o presidente da frente pró-Carajás, deputado estadual João Salame (PPS), disse que a derrota era previsível, mas que os mais de 1,17 milhão de votos pela divisão "não podem ser desprezados". "Temos o compromisso de continuar essa luta", afirmou. "Estamos convencidos de que o Estado não tem como dar conta das demandas da sociedade."

Os projetos de criação de Carajás e Tapajós previam que o Pará remanescente ficasse com apenas 17% do território e 64% da população. Nos dois novos Estados ficariam concentradas as riquezas paraenses. A região do que seria o Estado de Carajás, ao sul, tem a maior reserva de ferro do mundo, os principais investimentos da Vale, o maior rebanho de gado do Estado e a hidrelétrica de Tucuruí. Já em Tapajós, a oeste, estão a obra da hidrelétrica de Belo Monte, grandes áreas de vegetação nativa preservadas e um porto, que é usado para o escoamento de grãos do Centro-Oeste para a Europa. O solo dessa região também é rico em minérios.

O governador do Estado, Simão Jatene (PSDB), contrário à divisão, disse ter preocupação com a possível animosidade da população do interior separatista. "É meu objeto de preocupação. Sempre me preocupei não com o plebiscito, mas com o dia seguinte", comentou na noite de ontem. Jatene disse que não pretende mudar as ações de seu governo para reforçar o atendimento ao interior. "Não vamos mudar tudo por causa do plebiscito."

Mas, para diminuir o mal-estar entre a capital e o interior separatista, o governo estadual prevê dar mais autonomia administrativa a órgãos locais, como as regionais de educação, montar estruturas semelhantes ao Poupatempo de São Paulo e intensificar as visitas às regiões que formariam os dois Estados, com o governo itinerante.

No dia do plebiscito, Belém viveu um clima de final de campeonato. No capital, que concentra o eleitorado contrário à divisão, a bandeira do Pará era vista ontem em todos os lugares: nas ruas, nos carros e nas camisetas de eleitores.

O estudante de medicina Luiz Mourão, de 22 anos, votou vestido com uma camiseta vermelha com uma faixa branca e uma estrela azul no centro, reproduzindo a bandeira estadual. "Não fomos consultados sobre o desenho dos novos Estados. Não passa de uma questão política", afirmou. Para o estudante, o plebiscito foi fomentado por interesses econômicos. "Estão por trás disso latifundiários e grandes exportadores."

Também com uma camiseta vermelha, o pai do estudante e advogado de 53 anos, José Mourão, reforçou: "É desnecessário dividir. O risco que a gente tem é de políticos derrotados no Pará mudarem o domicílio eleitoral para esses novos Estados para se elegerem. Quem está defendendo a divisão são os mesmos que já foram deputados, prefeitos. O que eles fizeram até agora para melhorar o Estado?

O revendedor José Nogueira de Carvalho, de 50 anos, também foi às urnas com uma camiseta com a bandeira do Pará. Mas votou pela divisão do Estado. Ele aprova a criação de Tapajós, mas rejeita a de Carajás. "Tapajós é uma região muito distante do poder público, mas Carajás já é bastante beneficiado por seus recursos naturais. Se eles administram mal os recursos daí já é outro problema", considera. O revendedor morou por dois anos na região do que seria Carajás. "Tem muita gente de fora que vai para lá em busca de prosperidade financeira. O poder está concentrado nas mãos e poucas famílias, de fazendeiros e pecuaristas que querem levar vantagem", disse.

Para o aposentado Josué Jonas, de 68 anos, os reflexos do debate continuarão mesmo após o plebiscito. "A insatisfação vai continuar existindo e vai se transformar em uma carga pesada para o governador", disse.

A experiência inédita no país foi acompanhada de perto pelo presidente do TSE. Lewandowski visitou juízes eleitorais e um colégio eleitoral em Belém. "É realmente um momento histórico, extremamente importante", disse.

Segundo o ministro, os gastos da Justiça Eleitoral com o plebiscito foram de R$ 19 milhões, montante inferior aos R$ 25 milhões previstos.

A discussão sobre o plebiscito foi marcada por polêmicas. A primeira era que não havia estudos técnicos que garantissem a viabilidade dos Estados. Segundo estudos do Ipea, a divisão faria com que o Pará remanescente passasse de um superávit de R$ 277 milhões para um déficit de R$ 788 milhões. Carajás teria um déficit de R$ 1,9 bilhão e Tapajós, de R$ 964 milhões.

Outro ponto polêmico foi sobre quem participaria da consulta. Os políticos que defendiam a divisão queriam que somente os eleitores das áreas separatistas pudessem votar. O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal, que determinou que todo o Estado participasse do plebiscito. Os autores dos projetos de plebiscito não foram políticos do Pará, mas o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e o ex-senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO).

No Congresso há cerca de duas dezenas de projetos que tratam da criação de novos Estados. "Qualquer divisão do país deve levar em conta estudos demográficos e econômicos", disse Lewandowski.