Título: Americano esquece crise e vai às compras
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Fonte: Valor Econômico, 12/12/2011, Internacional, p. A10

Os consumidores americanos estão mantendo a recuperação da economia em curso. A questão é por quanto tempo eles vão continuar fazendo isso, já que a taxa de desemprego está alta, os salários, estagnados e o mercado imobiliário permanece fraco.

O consumo, principal motor da economia americana, é especialmente importante agora. A provável recessão europeia está prejudicando as exportações americanas, os cortes no orçamento estão reduzindo os gastos do governo e a agitação do mercado está tornando as empresas relutantes em investir. Com isso, o consumo pessoal se converte no principal propulsor da recuperação, respondendo pela maior parte do crescimento de 2% no terceiro trimestre.

Até o momento, os consumidores parecem ignorar as incertezas econômicas. As vendas da chamada Sexta-Feira Negra, que marca o início da temporada de compras de Natal nos EUA, bateu recordes. A confiança do consumidor, que despencou em meados do ano, começou a se recuperar. Os gastos, ajustados à inflação e aos fatores sazonais, subiram em três dos últimos quatro meses, e a maioria dos economistas acredita que tendência vai continuar até o fim do ano.

Mas os consumidores podem estar se encaminhando a uma ressaca de ano novo. Ajustada à inflação, a renda disponível dos americanos caiu ligeiramente no último ano, e os salários encolheram em novembro, após dois meses de pequena alta. Para pagar as compras, os consumidores sacaram da poupança ou tomaram dinheiro emprestado. A taxa de poupança, que subiu abruptamente no princípio da recessão, caiu nos últimos 12 meses, de acordo com o Departamento de Comércio, chegando a 3,5% em outubro, ante 5,3% um ano antes. O crédito rotativo - basicamente os cartões de crédito - vem aumentando nos últimos meses, embora permaneça bem abaixo dos níveis pré-recessão.

"É insustentável", disse Bernard Baumohl, economista chefe do Economic Outlook Group. "Em algum momento, quando as contas tiverem que ser pagas, acredito que veremos um grande recuo no consumo, e isso poderia colocar a recuperação em risco novamente."

Alguns economistas dizem que os consumidores podem estar em situação mais favorável do que indicam as estatísticas do Departamento de Comércio. O Federal Reserve, banco central dos EUA, usando um conjunto diferente de dados, divulgou na semana passada que a poupança das famílias na realidade subiu expressivamente no terceiro trimestre, para 7,4%. O economista da Pierpont Securities, Stephen Stanley, disse que os números do Fed sugerem que a renda pode estar aumentando num ritmo mais acelerado que o indicado previamente em relatórios do Departamento de Comércio.

Ainda assim, ninguém está sugerindo que as famílias estão num bom momento. O mesmo relatório do Fed mostrou que o patrimônio líquido das famílias - o valor dos imóveis, ações e outros investimentos menos dívidas e outras obrigações - caiu US$ 2,4 trilhões, para US$ 57,4 trilhões no terceiro trimestre, em grande parte devido à baixa do mercado acionário. O valor dos imóveis também continua encolhendo e os americanos estão tentando ainda de pagar as dívidas que acumularam durante os anos de boom econômico.

Para Clark Hodges, assessor de investimentos em Dallas, os consumidores podem estar soltando as rédeas para preservar o Natal. "Eles não vão sacrificar a cerimônia de abrir presentes embaixo da árvore na manhã do dia 25", disse. "Isso é algo que de eles não conseguem pensar em abrir mão."

Nancy Canales, funcionária do setor de recursos humanos, de 44 anos, que vive em Plano, no Texas, disse que normalmente "dá presentes com extravagância", especialmente para as sobrinhas, mas neste ano ela está controlando o orçamento, tentando ficar longe dos cartões de crédito. E, embora ainda tenha planos de uma temporada de fim de ano de comemorações, ela disse que vai apertar os cintos em 2012. "Depois de todas as reuniões e festas, janeiro será um mês de volta à realidade."

Há sinais de que mesmo os gastos de fim de ano podem não ser tão robustos quanto pareciam à primeira vista. As vendas em redes varejistas apresentaram dois meses consecutivos de quedas, o que significa que os consumidores só estão comprando quando encontram pechinchas. Os gastos com artigos de luxo têm sido altos, mas as lojas de departamentos e outros varejistas que têm a classe média como alvo estão ficando para trás.

Charles Schwerd, proprietário e chefe de cozinha do Arrowhead Grill, em Glendale, no Arizona, disse que os negócios estão em alta neste ano, mas a clientela do seu restaurante mudou. Hoje em dia, a maior parte dos clientes são executivos ou empresários. "Boa parte do nosso mercado costumava ser composto pela classe média, e nós estamos vendo uma transformação", disse Schwerd. "Muitos dos nossos clientes assíduos já não são mais assíduos."

No longo prazo, os economistas dizem que os consumidores não podem continuar gastando, a menos que passem a ganhar mais dinheiro, o que não vai acontecer até que o mercado de trabalho melhore. Algumas empresas aceleraram contratações nos últimos meses, e a taxa de desemprego caiu para 8,6% em novembro, o menor patamar em dois anos e meio. Mas serão necessários muitos outros empregos para manter a vibração do Natal, depois que os enfeites forem retirados.