Título: Argentina pode rever restrições comerciais
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2006, Brasil, p. A3

O governo argentino está disposto a apoiar a revisão dos acordos de restrição voluntária de exportações do Brasil à Argentina, se for comprovado que fornecedores de outros países estão tomando mercado dos produtores brasileiros, confirmou ao Valor a ministra de Economia da Argentina, Felicia Miceli. "Precisamos ver as cifras, e, conforme a avaliação, podemos discutir", disse a ministra. Se for comprovado que há outros países tomando o mercado não ocupado pelos brasileiros, as restrições às exportações para a Argentina podem ser revistas? "Sim", respondeu a ministra.

AP/Silvia Izquierdo Felicia Miceli: "Precisamos ver as cifras, e, conforme a avaliação, podemos discutir" Como os acordos de restrição comercial foram assinados pelos setores privados dos dois países, sob pressão das ameaças de medidas unilaterais da parte argentina, a tendência do governo Néstor Kirchner é deixar aos empresários a tarefa de eliminar as barreiras comerciais. Desta vez, porém, o governo vizinho mostra maior flexibilidade em relação aos argumentos do Brasil, embora lembrem que os brasileiros foram os maiores beneficiários do comércio com a Argentina, com saldo recorde em favor do Brasil nas transações entre os dois países.

O acordo que restringia as exportações brasileiras de lavadoras de roupa e geladeiras para a Argentina expirou no início do ano e os empresários argentinos pressionam por um novo acordo. Mas, contrariamente ao que acontecia até o ano passado, as autoridades daquele país não têm mostrado disposição de aplicar medidas unilaterais. Preferem lembrar a existência, desde fevereiro, do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), pelo qual empresários ameaçados por importações do país vizinho podem solicitar barreiras como salvaguardas contra um súbito e danoso aumento na entrada do produto importado.

"Com o MAC, há uma convergência entre os exportadores brasileiros e importadores argentinos para evitar que a situação fuja ao controle", argumenta o secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina, Alfredo Chiaradia. Ele se esquiva, porém, quando lhe perguntam se estão totalmente descartadas quaisquer medidas unilaterais no futuro. "Não se pode prever o que fazer como reação a um terremoto", compara. "Não há país no mundo, nem a China, cujas exportações para a Argentina cresçam tanto e de maneira tão sistemática quanto o Brasil", comenta, enigmático.

Argentinos e brasileiros terão, no dia 12, em Buenos Aires, encontro da comissão encarregada de acompanhar o comércio bilateral e a revisão das cotas para produtos brasileiros é um dos principais itens da comitiva brasileira, liderada pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho.

A delegação argentina é chefiada pelo secretário de Indústria, Miguel Peirano, e, segundo um graduado integrante do Ministério de Relações Exteriores argentino, haverá boa vontade para analisar as reivindicações brasileiras, se ficar comprovado que está havendo "desvio de comércio", com fornecedores de outros países ocupando o mercado restrito aos exportadores do Brasil.

As autoridades argentinas reconhecem que o crescimento econômico do país provoca aumento no consumo superior à capacidade de abastecimento dos produtores argentinos. E lembram que o MAC estabelece que qualquer restrição ao comércio com o Brasil não pode gerar "desvio de comércio".

O tema foi levantado pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, ao ser recebido, em junho, pelo presidente argentino, Néstor Kirchner. Furlan quer o fim das restrições ao comércio especialmente nos produtos da chamada linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, fogões). Ele argumenta que esse setor encolheu 3% neste ano, em parte devido às restrições argentinas.

Como informou o Valor, as estatísticas argentinas mostram que o país aumentou em 255% as importações de televisores, entre janeiro e maio deste ano, em comparação com o mesmo período de 2005. As vendas do Brasil para o mercado argentino, nesse período, cresceram bem menos, 149,6%. As importações totais de calçados na Argentina subiram 38,5%, mas as vendas brasileiras ao país vizinho aumentaram só 21,1%.

Com o comércio de fogões, houve o mesmo comportamento: 64,4% a mais nas importações globais, 53,6% de aumento nas compras do Brasil. Os brasileiros conseguiram ganhar mercado, porém, para lavadoras de roupas (56,3% a mais em importações originadas no Brasil; 14,9% de importações totais) e geladeiras (43,3% com origem brasileira e 10,6% em termos globais). (SL)