Título: Eleições criam pressões no Mercosul, diz Lula
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2006, Brasil, p. A3

Confrontado por reivindicações de parceiros como o Paraguai e a Bolívia na reunião de cúpula extraordinária que oficializou a entrada da Venezuela no Mercosul, ontem, em Caracas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insinuou que as demandas são motivadas pelos calendários eleitorais no continente e deu uma resposta dura às críticas contra o Brasil feitas pelos presidentes paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, e boliviano, Evo Morales. "No Mercosul, de vez em quando os países menores culpam os maiores por seus problemas; isso é um problema que o tempo vai tratar de consertar", comentou Lula, ao prometer medidas para reduzir as "assimetrias" entre os países do bloco. "É normal em época de eleição, tenho acompanhado a imprensa de vários países, tenho visto o acirramento: ora se joga tudo em cima da Argentina, ora em cima do Brasil", minimizou Lula. Os dois países maiores do Mercosul terão de atender as necessidades dos países menores, mas dentro das possibilidades, argumentou Lula.

O presidente brasileiro rejeitou, porém, a demanda do presidente boliviano por uma reunião para tratar do aumento do preço do gás fornecido ao Brasil e a proposta de Duarte Frutos para renegociação da dívida da binacional Itaipu. "Não vim aqui para tratar de gás, vim para tratar da entrada da Venezuela no Mercosul", cortou o presidente brasileiro, deixando claro que o assunto deve ser tratado pelo governo boliviano com os ministros da área no Brasil.

Ao chegar a Caracas, ontem, Duartes Frutos afirmou que o Mercosul não teria moral de cobrar abertura comercial dos países ricos se os países dentro do bloco não abrirem mais seus mercados aos sócios menores. Na véspera, mais direto, em entrevista ao jornal britânico "Financial Times", acusou Argentina e Brasil de "egoísmo e até hipocrisia" e cogitou em "eutanásia" do Mercosul, na impossibilidade de fazer ajustes no bloco.

Assessores de Evo Morales chegaram a informar, oficiosamente, que o boliviano só iria à Venezuela se fosse confirmada sua reunião com Lula para tratar do aumento no preço do gás. A Bolívia elegeu no domingo sua Assembléia Nacional Constituinte, que fixará as condições de governabilidade do governo Morales. O Paraguai terá uma eleição municipal, em novembro, que influenciará na campanha da sucessão presidencial.

Duarte Frutos, ao chegar, aproveitou o encontro bilateral com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para propor a troca dos títulos da dívida de US$ 19 bilhões de Itaipu (nas mãos do governo brasileiro) por bônus que seriam comprados, a juros menores, pelo governo venezuelano. Chávez prometeu ajuda ao paraguaio, mas esquivou-se do compromisso: criou uma comissão dos ministérios de Finanças e Energia para estudar o assunto e afirmou que qualquer decisão dependeria da opinião de Lula, a quem pretendia consultar ontem. Lula, porém, rejeitou a idéia, antes da cerimônia de entrada da Venezuela no Mercosul.

"Não existe a proposta, até agora ninguém recebeu; os títulos são do Tesouro Nacional e da Eletrobrás e é o Brasil que tem de cuidar de seus títulos", desconversou. Os recursos obtidos com a dívida de Itaipu pelo governo federal rendem US$ 1,5 bilhão anuais, incorporados ao superávit das contas públicas brasileiras. "Se o Paraguai tem problema no seu desenvolvimento, temos de ajudá-lo, mas temos clareza de que não iremos encontrar solução para o Mercosul se ficarmos jogando nossos problemas nas costas dos outros."

Com Morales, Lula adotou o mesmo estilo, lembrando que a Bolívia, membro associado ao Mercosul, recebeu visitas dos ministros da Minas e Energia, Silas Rondeau, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, além do presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli. Uma missão, amanhã, irá a La Paz negociar programas de ajuda ao comércio e investimentos brasileiros na Bolívia. "O dado concreto é que, com a entrada da Venezuela, estamos fazendo mais que um acordo econômico, comercial, um ato histórico de integração do continente", argumentou.

Apesar da cerimônia de ontem, haverá um período de transição até que ocorra o livre comércio da Venezuela com os demais membros do bloco econômico. Pelo cronograma estabelecido em maio pelos países do Mercosul, Brasil e Argentina deixarão de cobrar tarifas de importação de produtos venezuelanos em 2010. Na mão contrária, o fim das tarifas irá ocorrer em 2012. Nos dois casos ficam de fora os chamados "produtos sensíveis". No caso de Uruguai e Paraguai, os prazos vão até 2014.

Lula insistiu na necessidade de discussões para maior integração das políticas comercial, de ciência e tecnologia e educação entre os países do continente. A entrada da Venezuela, acredita ele, levará os benefícios da integração comercial ao norte do continente, acabando, no Brasil, com a idéia de que o Mercosul beneficia principalmente os Estados brasileiros do Sul e Sudeste.

O presidente lembrou que o Congresso brasileiro deve aprovar os Fundos Estruturais aprovados a um ano para beneficiar as economias menores do Mercosul, que, neste ano, deverão receber US$ 100 milhões em apoio a investimentos locais. "As pessoas vão ter que aprender que o Mercosul só será um bloco verdadeiramente sólido quando as economias e a democracia forem sólidas nele", argumentou o presidente. "Enquanto predominar metade dos países vivendo em miséria absoluta não vamos a lugar nenhum, vamos tentar ficar procurando culpados pela nossa pobreza", disse.

Ele rejeitou a opção entre aprofundamento da integração das políticas sociais e a política comercial no bloco, freqüente em discursos do presidente Chávez. "Não terá Mercosul social se não tiver economicamente forte", comentou. "Não se faz Justiça social com miséria, com decreto, se não houver aumento das exportações da industrialização de cada país."

Na saudação aos presidentes, Lula reconheceu a "urgência" de encontrar medidas para reduzir as "assimetrias" que prejudicam os sócios menores do bloco. O Brasil já discute medidas para incentivar investimentos produtivos no bloco e facilitar o acesso de exportações dos países menores, garantiu.