Título: Reino Unido na UE está em xeque
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Fonte: Valor Econômico, 12/12/2011, Finanças, p. C2

Há nevoeiro no Canal da Mancha: o continente está novamente isolado. Essa desgastada anedota frequentemente descreveu a atitude britânica em relação à Europa. O mesmo ocorreu na mais recente cúpula da União Europeia (UE). O veto de David Cameron a um novo tratado da UE sobre a união fiscal deixa o Reino Unido navegando sob um desanuviado céu azul. As coisas não vão acabar assim, é claro. Isso nunca acontece.

Qualquer que seja a extremidade do telescópio através da qual olhemos, a cúpula foi um momento decisivo na relação do Reino Unido com seus vizinhos. Ele remonta à conferência fundadora da UE em Messina, quando os britânicos originalmente decidiram não aderir. Agora, como então, o primeiro-ministro no poder decidiu ser melhor, para o Reino Unido, trilhar seu caminho sem os inconvenientes impostos por seus parceiros continentais.

Governos e empresas não europeus precisam, agora, se perguntar o que, a despeito de todas as rusgas ocasionais com Bruxelas, parecia, até hoje, impensável. Será que o Reino Unido pertencerá à UE daqui a cinco ou dez anos? Não tenho certeza alguma disso. Por que razão, indagou um executivo bancário na sexta-feira, empresas que exportam para a Europa continuariam a investir no Reino Unido?

Visto de uma extremidade do telescópio, o veto de Cameron foi o momento em que os britânicos sinalizaram o início de um longo adeus à Europa; do outro extremo da luneta, é a Europa que está se despedindo dos britânicos.

De qualquer perspectiva, o efeito é o mesmo. Desde quando negociou sua não adesão à moeda única em Maastricht, 20 anos atrás, o Reino Unido conseguiu - articulando um mix de poder e habilidosa diplomacia - ficar ao mesmo tempo dentro e fora do clube europeu. A decisão de Cameron de deixar uma cadeira vazia nas negociações visando uma união fiscal na zona do euro assinala o fim dessa trajetória.

É importante inserir uma ressalva, aqui. A pressuposição de todos, na cúpula em Bruxelas, foi de que os países da zona do euro efetivamente terão êxito em salvar a moeda única e construir, em paralelo com ela, uma união política mais integrada.

Essa iniciativa ainda pode fracassar. Alguns vão dizer, depois do pouco progresso obtido na cúpula sobre o plano de resgate, que as probabilidades contra o euro aumentaram. Se a moeda única se desmantelar, o mesmo acontecerá com todas as outras ambições cultivadas pelos 17 membros da zona do euro. Supondo que isso não aconteça, no entanto, nunca o Reino Unido pareceu tão isolado.

Cameron, naturalmente, pode esperar vigorosos vivas de seus parlamentares conservadores quando prestar contas sobre a cúpula à Câmara dos Comuns. Algumas pessoas de Whitehall já estão sussurrando que foi o medo de ser alvo de chacota dos parlamentares de seu próprio partido sem cargo no governo que jogou Cameron para escanteio em Bruxelas. De qualquer maneira, muitos céticos entre os conservadores vão exultar com o isolamento do Reino Unido.

O primeiro-ministro deve aproveitar os aplausos enquanto pode. O governo agora se depara com um "efeito catraca", no qual depois de entrar-se há pouca margem para sair. Para o grupo cada vez maior de conservadores de linha dura, esse foi apenas o começo. Agora que o Reino Unido se posicionou totalmente fora o projeto econômico central da UE, por que não reabrir negociações sobre todo o resto?

Há lógica nessa posição. Se cerca de 20 países europeus tiverem sucesso em erigir uma união política, é difícil imaginar espaço para um Reino Unido, na melhor hipótese, semi-afastada. Quanto a proteger os interesses da City londrina com centro financeiro das temidas depredações por parte de Paris e Frankfurt, isso dificilmente será conseguido com um Reino Unido trancado do lado de fora nas negociações sobre o futuro formato da regulamentação financeira europeia.

E quanto aos liberais-democratas de Nick Clegg, perguntarão alguns? Certamente, Clegg, como aliado de coalizão de Cameron e forte defensor do engajamento britânico na Europa, agirá como uma contenção aos céticos. É o que se poderia esperar. Mas assim com o Reino Unido na Europa, Clegg até agora foi deixado do lado de fora da sala.