Título: Reforma e legitimaçãodo poder político
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 15/09/2010, Opinião, p. 14

Visão do Correio

Aberto a consultas públicas desde segunda-feira, o anteprojeto de reforma eleitoral destina-se a introduzir mecanismos aptos a promover legitimação mais consistente do poder político. Daí por que a iniciativa pretende remover as anomalias até hoje persistentes no sistemade captação da vontade popular. Precede à efetivação da reforma política (há mais de 15 anos em hibernação no Congresso), indispensável à racionalização e moralização das instituições do Estado.

Anteprojeto a ser discutido nas cinco principais regiões do país e, afinal, aprovado depois de nove audiências acessíveis a todas as correntes de pensamento, a feitura do texto está aos cuidados de comissão integrada por sete juristas.Presidea José AntonioDiasToffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). As sugestões que devem colher no diálogo com o universo acadêmico e grupos sociais deverão abrigar-se em agenda composta de temas universalizantes.

É o que se traduz da leitura das matérias selecionadas para os debates: administração e organização das eleições, direito penal e processual penal eleitoral, direito processual eleitoral não penal, direito material eleitoral não penal.

Assim, qualquer tese pertinente ao objeto da discussão cabe ser admitida sem ressalvas.

Mas alguns membros da comissão divergem quanto à necessidade de deliberar sobre o votoemlista fechada, conforme arbítrio partidário, para a eleição parlamentar (salvo a de senadores), em contraposição ao sistema proporcional em vigor. Afirmam que, em relação à lista, é problema a ser tratadoemeventual reforma política. O mesmo raciocínio é invocado para descartar o examedo financiamento público das campanhas eleitorais.

Deixar de considerar aspectos relevantes de alguma forma vinculados ao fenômeno eleitoral suscita reações procedentes.

É evidente que o anteprojeto cuidará de mudanças estratégicas. Entre tantas, combate mais eficaz e severo às fraudes eleitorais e ao abuso do poder econômico. Também cumpre-lhe estabelecer composição mais lógica para a Justiça Eleitoral, propor novo modelo de propaganda nos meios de comunicação e controlar com maior rigor a prestação de contas de candidatos e partidos.

Ora, o amplo arco de incidência da proposta reformista não comporta reações sobre o que deve ou não ser debatido, salvo, é óbvio, propostas estapafúrdias.

Cabe, porém, exercício crítico em torno de dois tópicos essenciais. Emprimeiro lugar, a indicação de candidatos emlista fechada à cargo das legendas é o mesmo que instituir a ditadura das direções partidárias. Aliás, não foi por outra razão que, não faz muito, o Congresso repudiou a inovação.Depois, o financiamento público de campanhas pode não ser a solução ideal, mas, até agora, é a que exibe o mais forte potencial moralizante.

É crucial, pois, que o diálogo com a nação se realize à margemde qualquer restrição ou preconceito jurídico. O que vale é legar ao país estatuto eleitoralmoderno, racional e útil ao aperfeiçoamento democrático.