Título: Histórico afasta investidor de energia nuclear nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 05/07/2006, Internacional, p. A9

A energia nuclear está em alta. Dezesseis empresas do setor pretendem construir até 25 novos reatores nos EUA. No mês passado, a NRG Energy, de Princeton, Nova Jersey, anunciou planos para investir US$ 5,2 bilhões em dois novos reatores numa usina atômica existente perto de Houston.

Será isso um renascimento da energia nuclear? Ainda não. Embora investidores estejam apostando bilhões de dólares em etanol, energia eólica e solar, não estão derramando dinheiro nos átomos. "O verdadeiro obstáculo não é o Sierra Club [ONG ambientalista], mas jovens analistas em Wall Street", diz Bob Simon, diretor da Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado americano.

Agências reguladoras podem rejeitar projetos, caso não atendam os padrões de construção e de segurança. Mas a lembrança de atrasos, enormes estouros de orçamento e falências que puseram fim ao namoro americano com a energia nuclear são os obstáculos mais difíceis. "Os investidores continuam receosos diante dos riscos de construção", diz Paul T. Ho, diretor da divisão de energia do Credit Suisse First Boston.

É por isso que daqui a uns cinco anos, quando serão provavelmente concedidas as primeiras licenças para construção e operação, só as companhias mais diversificadas e merecedoras de crédito, como a Duke Energy e a Southern, devem se aventurar nesse território, explica Denise Furey, diretora de energia mundial na Fitch Ratings. Com sua escala, essas companhias poderão financiar esses projetos durante cerca de uma década usando alguma combinação de endividamento e participação acionária. Mas isso está muito longe de caracterizar uma nova era nuclear.

As companhias que operam usinas nucleares têm um histórico "espantosamente ruim" em termos de controle de cronograma de obras e de custos, diz David Schlissel, economista da Synapse Energy Economics, em Cambridge, Massachussets. Entre 1975 e 1989, o prazo médio para construir uma usina disparou de 5 para 12 anos. O preço de um grupo de 75 usinas de primeira geração somou US$ 224,1 bilhões (em dólares correntes), 219% a mais do que o estimado, segundo um estudo do Departamento de Energia em 1986. Com o passar do tempo, muitas companhias geradoras sofreram um colapso, sob o peso desse endividamento - mesmo com o aumento nas contas dos consumidores.

As empresas de energia dizem poder reduzir custos graças a novos e padronizados projetos de usinas e a um processo de licenciamento enxuto, numa só etapa. "As pessoas esquecem que os problemas de construção aconteceram 30 anos atrás. Houve grandes avanços de lá para cá", diz David Crane, CEO da NRG. A companhia planeja usar reatores da General Electric e da Hitachi que já operam no Japão. Desta vez, O setor nuclear pretende construir novas usinas ao custo de US$ 1,5 mil a US$ 2 mil por kilowatt de capacidade, em comparação a um custo máximo em torno de US$ 4 mil (valor ajustado pela inflação) na década de 70.

O problema é que as usinas mais baratas construídas recentemente, todas fora dos EUA, custaram mais de US$ 2 mil por kilowatt. E projetos avançados hoje nas pranchetas americanas nunca foram construídos nos EUA. "Uma usina com projeto novo sempre custa mais", diz John Kennedy, diretor da Standard & Poor´s, agência de classificação de crédito. "Usinas nucleares deveriam fazer parte do mix [energético]", diz David M. Ratcliffe, CEO da Southern, mas ninguém quer ser o primeiro a construir. "Todos gostariam de ser o décimo na lista."

No ano passado, a nova Lei de Energia criou incentivos extras de US$ 13 bilhões para o setor nuclear, segundo o Public Citizen, grupo de defesa de interesses do consumidor. Eles vão beneficiar as seis primeiras usinas. Mas podem não "totalizar incentivo suficiente para que empresas embarquem em novas construções", diz Kennedy.

O secretário de Energia, Samuel Bodman, oferece certezas cautelosas. "Estou certo de que teremos os 6 primeiros reatores, com a construção começando até 2010", diz. "Mas não precisamos de seis reatores. Precisamos de 16 ou 26." Até que sejam concedidas as licenças para o primeiro lote, daqui a alguns anos, os analistas financeiros e muitas companhias de eletricidade ficarão simplesmente esperando para ver. "Wall Street é muito míope", diz Furey. Ou, quem sabe, é porque não consegue esquecer o que já viu antes.