Título: O PMDB e o Poder Moderador
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: Correio Braziliense, 15/09/2010, Opinião, p. 15

Pesquisas confiáveis, realizadas por institutos especializados, apontam a vitória de Dilma Rousseff. O resultado encontravase no ar desde o final de 2009. Não a título de inconsistente profecia, mas pela análise do conjunto de informações disponíveis. Como ensina a sabedoria popular, fatos existem independentemente da opinião que se tenha deles.

Nunca, porém, se imaginou que a derrota da estranha aliança PSDB-DEM-PPS pudesse ocorrer no primeiro turno.

Ao se traçar o paralelo sobre conhecimento, experiência e competência dos principais candidatos, ninguém duvida da superioridade acadêmica de Serra. Como o direito, porém, a política não é ciência exata ou necessariamente ética e pode surpreender com soluções inesperadas.

Desde que o vírus da reeleição foi inoculado nas eleições para a Presidência da República, governadores e prefeitos, o cenário eleitoral ficou pior. No decorrer do primeiro mandato o eleito adquire obsessão pelo segundo, e passa a cogitar do terceiro. É exatamente por aí que os princípios éticos são esquecidos e substituídos pela volúpia do poder.

A provável vitória de Dilma Rousseff dará ao PT supremacia ainda não obtida.Desmentirá quem antevia o governo Lula como trágica farsa, da qual o petismo lulista jamais se recuperaria.

Arealidade, contudo, é outra,comorevela a popularidade do presidente. Será uma espécie de consagração. No EixoMonumental de Brasília, S. Exa. desfilará em carro aberto como reencarnação de augusta imperatriz romana, para o bater de continência do Comando das Forças Armadas, e aplausos populares. Não haverá, entretanto, alguém que a secunde, incumbido de lhe sussurrar aos ouvidos: ¿Acautele-te contra a vaidade; não te esqueças de que és mortal¿.

O êxito do PT, em2010, será creditado a dois excepcionais cabos eleitorais: o presidente Lula, cuja capacidade de transferência de prestígio somente encontra similar em Getúlio Vargas, na eleição em que assegurou o triunfo do general Gaspar Dutra, e ao PMDB, que ressurge das cinzas convertido no fiel da balança.

Empedernidos adversários reconhecem que o presidente Lula, além de bafejado pela sorte, foi cauteloso na condução da economia. Como agirá Dilma? Ao longo da campanha revelou-se especialista emgeneralidades e calou-se sobre temas que poderiam comprometê-la. Acusamna de inimiga da propriedade privada, do lucro, e daquilo que leva o nome de ¿grandes fortunas¿.

Ignora-se o que pensa do MST e da reforma agrária, e como implementá-la sem a invasão de terras produtivas e a destruição de rebanhos e lavouras. Outros propalam que desejaria instituir regime de economia centralizada, sob o jugo do Estado. Fala-se que recorrerá à assessoria de cassados.

No momentoemque Lula ensaia sair de cena, o PMDB se prepara para assumir a Vice-Presidência da República. O deputadoMichel Temer conquistou prestígio como articulador e estrategista.

Assumiu a responsabilidade pelas negociações com o presidente, e se impôs comovice deDilma. PT ePMDBnunca se entenderam bem, ou melhor, eramferozes adversários. Como segunda força do governo, duas são as alternativas com as quais o partido de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves irá se deparar: poderá se amesquinhar na subalterna posição de candidato a cargos e empregos, ou se agigantará no exercício de uma espécie de PoderModerador, expressão tomada de empréstimo à Carta Imperial de 1824.

SobD. Pedro II, o PoderModerador foi utilizado como instrumento de defesa da monarquia constitucional, guardião da unidade nacional e centro de equilíbrio entre os Poderes, o Exército e os partidosConservador e Liberal.Comsensibilidade, o imperador removeu obstáculos e promoveu a conciliação. A ele os historiadores creditam a longevidade da Constituição outorgada por Pedro I, que perdurou, comumaúnica emenda, até a proclamação da República,em1889.

Opovo cansou-se de ouvir promessas e de alimentar esperanças infundadas. Não suporta a corrupção impune, o desperdício, o fisiologismo, o desvio de dinheiro público e o aparelhamento parasitário do Estado. Há muito a ser feito, para não se desencantar da democracia.

Na qualidade de vice-presidente, e com o PMDB nas mãos,Michel Temer viverá oportunidade única para influir nos destinos do terceiro governo do PT, e recolocar o Brasil dentro de padrões do Estado Democrático de Direito. Conseguirá fazê-lo? Só o tempo poderá dizê-lo.