Título: Eleição de 2002 tornou inflação mais "permanente" e afetou atuação do BC
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2006, Brasil, p. A2

Os efeitos da crise das eleições de 2002 sobre a inflação estão sendo superados só agora, quando se inaugura uma nova campanha presidencial. É o que sugere estudo feito pelo diretor de Normas do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e pelo economista Sérgio Lago Alves, da Diretoria de Estudos Especiais da instituição, que disseca os efeitos que aquele período de turbulências teve sobre a persistência inflacionária. A principal conclusão é que, além de elevar dramaticamente o patamar de inflação, exigindo como resposta uma política monetária mais dura, as incertezas do período eleitoral deixaram como uma herança um pouco mais permanente - os parâmetros usados pelo BC até então para combater a inflação deixaram de ter validade. Em outras palavras, a inflação se tornou mais persistente, exigindo uma dose ainda mais forte de juros. A boa notícia é que hoje, finalmente, volta-se ao mundo mais benigno que prevaleceu até as eleições de 2002.

Na campanha eleitoral passada, surgiram dúvidas sobre como um governo do PT iria conduzir as políticas monetária e fiscal. Os receios não se confirmaram, mas tiveram um efeito de longa duração. "A percepção dos agentes econômicos sobre a probabilidade de uma possível ruptura desencadeou mudanças na forma como as empresas e consumidores se comportam ao fixar preços e ao consumir", afirma o estudo.

A conseqüência é que a inércia inflacionária de preços livres e monitorados se tornou mais importante para determinar a inflação corrente e as expectativas inflacionárias perderam parte da importância. Os parâmetros usados pelo BC mudaram para pior e, assim, foi necessário mais juros para um mesmo resultado.

Os exercícios matemáticos do estudo mostram que, se a maneira como o público age não tivesse mudado, o aperto na política monetária promovido pelo BC teria produzido uma inflação nos preços livres algo como 20 pontos percentuais menor que a ocorrida. Ou seja, a variação de preços no período 2003 a 2005 teria sido da ordem de 10%, em vez dos 30% verificados.

Essa é apenas uma hipótese de trabalho, que dá uma idéia do estrago promovido pela eleição de 2002. O que realmente teria acontecido se a inflação não tivesse se tornado mais persistente é algo virtualmente impossível de dimensionar. Seguramente, o BC teria adotado uma combinação diferente entre inflação, juros e crescimento, com os efeitos positivos distribuídos entre esses indicadores.

O estudo de Tombini e Alves chama-se "The Recent Brazilian Desinflation Process and Costs" (Recente Processo de Desinflação no Brasil e seus Custos). Os autores não quiseram comentar o texto, afirmando que se trata de um trabalho para discussão que não reflete necessariamente a opinião do BC. Apesar da ressalva, o texto não deixa de ter algum peso, já que Tombini, além de ser diretor do BC, foi um dos introdutores em 1999 do regime de metas de inflação no Brasil, quando chefiava o Departamento de Pesquisa Econômica da instituição.

O curioso do estudo de Tombini e Alves é que o aumento da persistência inflacionária ocorreu muito rápido, mas a recuperação é um caminho lento. Os gráficos apresentados pelo estudo mostram que, de maneira geral, os parâmetros caminharam progressivamente para os valores que se encontravam antes da crise de 2002. Embora a série apresentada pelo estudo acabe em 2005, a tendência apontada nos gráficos sugere que hoje a recuperação é plena. Parâmetros como as expectativas inflacionárias possivelmente já se tornaram melhores do que antes de 2002 - e uma forte evidência disso é que no início de 2006, pela primeira vez no regime de metas, as expectativas de inflação coincidiam com a meta.

Uma leitura possível da melhora desses indicadores é que, lentamente, o BC reconquistou a sua credibilidade perante os agentes que fixam preços na economia, fazendo os parâmetros voltarem ao que eram. O surpreendente é que essa reconquista da credibilidade levou a economia a um estágio em que, se perdê-la, o combater de eventuais surtos inflacionários demandará um sacrifício ainda maior.

De 2004 para cá, houve um processo relativamente forte de desinflação no país sem que, como contrapartida, fosse necessário um grande sacrifício. A teoria diz que, para jogar a inflação para baixo, é necessário desaquecer a economia, criando uma maior capacidade ociosa. Nesse período recente, porém, o uso da capacidade instalada da economia ficou quase sempre próximo do pico, e o que jogou a inflação para baixo foi o controle das expectativas inflacionárias. Ou seja, o estudo sugere que a credibilidade do BC aumentou e os agentes econômicos passaram a trabalhar com inflação menor diante da simples perspectiva de que, se fosse realmente o caso, o BC iria deprimir a economia.

O resultado é que esses parâmetros mudaram de forma mais permanente - e a capacidade ociosa da economia passou a ter um papel menos potente para reduzir a inflação. Esse fenômeno já vinha sendo observado em economias desenvolvidas, como os Estados Unidos, e ficou conhecido tecnicamente como achatamento da Curva de Phillips, um modelo usado pelos economistas que associa inflação e desemprego.

A explicação, porém, não se resume à maior credibilidade dos BCs, mas também ao aprofundamento do processo de globalização, que faz com que produtos e serviços baratos como os produzidos pela China e pela Índia se constituam em uma âncora para os preços. Ou seja, mundo afora foi possível baixar inflação mesmo com uso mais elevado da capacidade da economia.