Título: Refis não impede volta à inadimplência
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2006, Brasil, p. A3
Das 36 companhias abertas - ou grupo de companhias - que aderiram ao Refis 1, apenas 13 estão pagando ou já pagaram o parcelamento sem enfrentar nenhum tipo de pendência em relação ao parcelamento. Para os especialistas, o número de empresas demonstra que o parcelamento de tributos mais generoso da União não foi capaz de resolver os problemas financeiros das empresas.
Oferecido em 2000, o Refis 1 permitiu o parcelamento das dívidas tributárias por prazo indeterminado, condição que não foi repetida em outros programas.
"Os parcelamentos têm efeito limitado. Quem mais aproveitou o Refis não foram as empresas em dificuldade. Foram as que estavam mais saudáveis", diz o consultor Luís Rogério Farinelli, do escritório Machado Associados. "O Refis tirou a pressão de cobrança dos tributos vencidos. Mas a maioria das empresas teve dificuldade para não ficar inadimplente nos impostos vincendos e também no parcelamento." Das 13 companhias abertas que estão pagando ou já pagaram a dívida do Refis, três - Klabin, VCP e Brasil Telecom - não entraram no programa porque estavam com débitos altos, mas para aproveitar benefícios paralelos do Refis, como a possibilidade de pagar Imposto de Renda por uma sistemática diferenciada - a do lucro presumido - ou dar vazão ao estoque de créditos fiscais.
Fora do universo das 13 companhias, o restante tem alguma discussão judicial ou administrativa relacionada ao Refis, apesar da regulamentação do parcelamento ter sido considerada extremamente generosa pelos próprios tributaristas. Há ainda dez empresas que foram excluídas ou que desistiram e refinanciaram a dívida nos parcelamentos que foram oferecidos depois. Algumas ainda tentam reverter a exclusão. Uma empresa não é mais aberta (Brampac), uma teve falência decretada (Chape có ), e duas não foram avaliadas porque não apresentam balanço há pelo menos três anos - Gazeta Mercantil e Elebra.
Dentre as 23 empresas que apresentam pendências há as que ainda não enfrentaram a exclusão definida pelo Comitê Gestor do Refis, mas discutem com a Receita divergências significativas de valores sobre o débito consolidado.
A Manufatura de Brinquedos Estrela, por exemplo, teve uma ressalva no parecer dos auditores especialmente dedicada ao Refis. A auditoria apontou que a empresa contabiliza dívida de Refis R$ 25,12 milhões menor que o cálculo da Receita. Os valores estão em fase de "conciliação" e, por isso, os auditores dizem que "não foi possível formar opinião sobre a adequação do saldo". A diferença apontada pela auditoria é significativa, pois a fabricante de brinquedos fechou 2005 com receita consolidada de R$ 57,97 milhões e um prejuízo de R$ 36,92 milhões.
A Teka é outro exemplo. Aderiu ao Refis com um débito líquido de R$ 87,75 milhões. Quando entrou no programa, em 2000, tinha lucro. Em 2002, passou a ter prejuízo no balanço consolidado. No ano seguinte, decidiu entrar com uma ação judicial pedindo a suspensão dos pagamentos de parcelas do Refis, com dedução de suposta cobrança de juros sobre juros no parcelamento. A tecelagem, que continua no vermelho, conseguiu uma liminar favorável.
A Buettner tem outro problema. Não conseguiu ficar em dia com os pagamentos das contribuições previdenciárias, condição para se manter no Refis. Por isso pede na Justiça o direito de pagar os débitos com precatórios. Caso não tenha êxito, sua permanência no parcelamento ficará "comprometida", segundo o parecer dos auditores. Caso seja retirada do programa, a Buettner teria de pagar toda a dívida do Refis, de R$ 29,48 milhões, de uma única vez. A companhia tem prejuízos desde 2003.
A Mundial, antiga Eberle, e a Zivi, do mesmo grupo, foram excluídas do Refis em 2003 porque, segundo o Comitê Gestor, ficaram inadimplentes no pagamento dos tributos correntes. As companhias alegam que possuem documentação que comprovam todos os pagamentos questionados e continuam no programa com base em duas liminares. Em 2000, em função da adesão ao Refis, a então Eberle e Zivi agitaram o mercado, porque conseguiram reverter o prejuízo do balanço consolidado do ano anterior em lucro. Os papéis preferenciais da Eberle subiram 30% em sete dias e os papéis PN da Zivi se valorizaram 113,37%.
As dívidas das empresas eram relativamente altas e a expectativa de pagamento era por um prazo longo. Como resultado, o cálculo a valor presente da dívida deu origem à época a uma receita que transformou prejuízos em lucros. A companhia conseguiu manter os resultados fora do vermelho até 2002. Em 2003 voltou a ter prejuízo, quadro repetido em 2005.
A situação das companhias abertas não é muito diferente do universo geral do Refis. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional calcula que quase 80% das empresas foram excluídas, a maioria por inadimplência, e 24 mil empresas permanecem no programa, com débito total de R$ 53 bilhões.