Título: Efeito do fim das medidas do BC sobre atividade é incerto
Autor: Bittencourt ,Angela
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2011, Brasil, p. A7

O forte ciclo de alta da taxa de juro, combinado à adoção de medidas de contenção do crédito e a uma piora do cenário externo, levou a economia brasileira à estabilidade no terceiro trimestre deste ano. Nada garante, porém, que o desmonte das medidas macroprudenciais pelo Banco Central (BC) e Ministério da Fazenda, temperado com um alívio monetário, estimulará a atividade a toque de caixa e basicamente por duas razões. Primeiro, porque a crise europeia piorou muito nos últimos meses; segundo, porque a redução do juro básico brasileiro ainda não chega a desfazer metade da elevação promovida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) entre abril de 2010 e agosto deste ano.

Nesse período, com breve pausa, o Copom elevou a taxa Selic em 3,75 pontos percentuais. A taxa saiu de 8,75% para 12,50% ao ano. E após três quedas consecutivas, ainda permanecerá em 11% até meados de janeiro de 2012.

De 2010 a 2011, a taxa Selic subiu mais que o juro praticado por mais de 20 países. Mas, nos últimos meses, o juro real brasileiro caiu vigorosamente. E, hoje, está nas mínimas registradas desde a adoção do regime de metas para a inflação no país, considerando o juro de um ano - swap de 360 dias - e as expectativas para a inflação nos próximos 12 meses. O tombo do juro real é resultado, em parte, da redução da Selic a partir de agosto e também da resistência dos índices de inflação.

"A retirada parcial das medidas adotadas para contenção do crédito certamente aquecerá a economia. Mas o fôlego desse aquecimento vai depender do cenário internacional", avalia a economista Monica Baumgarten de Bolle, sócia da Galanto Consultoria e diretora da Casa das Garças. "Se de um lado a remoção das macroprudenciais incentiva o crédito, de outro a alavancagem externa restringe a capacidade que os bancos terão para emprestar, muitos dependem das linhas de funding internacionais", explica a economista.

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, vê os efeitos da retirada das macroprudenciais com reservas por considerar o desmonte das medidas ainda muito incipiente. "O BC voltou atrás apenas em parte das exigibilidades adicionais e o compulsório, a mais importante das medidas, continua intacto, no maior nível desde 1995, levando em conta a proporção do compulsório frente ao depósitos especiais remunerados mais depósitos de poupança e títulos emitidos pelas instituições. A própria redução recente do IOF foi pequena, de 3% para 2,5%, nível ainda superior ao 1,5% que vigorava até abril de 2011", comenta.

Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) as medidas macroprudenciais poderiam ter sido adotadas com antecedência pelo governo e, no mesmo sentido, a retirada de estímulos também deve ocorrer no timing adequado. "Talvez já tenha chegado a hora de retirar as demais restrições ao crédito ao consumo - além da redução do IOF para o financiamento de pessoas físicas - e de lançar novas medidas de estímulo. Por exemplo, a redução dos percentuais de recolhimento compulsório, replicando a estratégia adotada no último trimestre de 2008."

Um ano depois da adoção das medidas macroprudenciais e do desempenho desalentador da atividade no terceiro trimestre, é inegável que o Brasil ganhou experiência com novos instrumentos que, para o Banco Central (BC), têm a função de complementar a política monetária. "Mas como o uso desses instrumentos não tinha paralelo no passado, mensurar seu efeito sobre a demanda agregada ou sua correspondência em termos de alta da Selic era tarefa árdua, porém necessária", comenta Borges que concluiu que o conjunto de medidas adotadas no fim de 2010 correspondia a uma elevação de quase 2 pontos percentuais da Selic. "Um choque monetário não desprezível", explica o economista da LCA que lembra o fato de que essa não era a avaliação predominante entre os analistas de mercado. A grande maioria estimava uma correspondência de cerca de 1 ponto percentual de alta da Selic. Alguns não chegavam a dar crédito à iniciativa do BC.

Monica, da Casa das Garças, comenta que, embora antigos, os efeitos dos instrumentos macroprudenciais sobre a inflação eram desconhecidos. A economista explica que instrumentos como compulsório bancário e uso do IOF por exemplo são iniciativas de restrição financeira. Para os analistas, o impacto das medidas para a inflação era desconhecido ou avaliava-se que poderia ser pequeno ou retardado.

"Mapear os efeitos das macroprudenciais é difícil. Inflação é preço. Taxa de juro também é preço. Quando se mexe na taxa de juro, que é o preço da liquidez, os economistas sabem que o governo está influenciando esses canais e que, em algum momento, bate nos preços da economia, na inflação. O outro canal é quantitativo. E o mapeamento de quantidade com preço é diferente", afirma Monica, para quem o governo adotou medidas de restrição ao crédito que tiveram, de fato, efeito sobre a quantidade de bens e serviços transacionados na economia e representados pelo Produto Interno Bruto (PIB). "E esses efeitos tiveram seu pico no terceiro trimestre", pondera.

A economista considera, contudo, que o governo conseguiu desacelerar a atividade mais do que gostaria e não desacelerou a inflação mais do que gostaria. "No fim das contas, o governo deu uma martelada na atividade brasileira. Isso até pode levar a uma reversão inflacionária, mas demora mais tempo. O pancadão vem em cima da atividade mesmo", diz Monica que alerta para o efeito da própria inflação sobre a atividade. "Como as macroprudenciais tiveram efeito demais sobre o crédito e efeito de menos sobre a inflação, os consumidores ficaram sem crédito, um combustível importante para o consumo, e ficaram sem ímpeto para consumir. Isso, porque os preços continuaram subindo. E as pessoas pararam de comprar."

Na avaliação de Monica de Bolle, o cenário internacional teve efeito no desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre, mas marginal. Ela entende que o Brasil pode sentir mais efeitos do cenário externo daqui por diante. "A desalavancagem financeira e a liquidez internacional mais restrita vão ter impacto mais à frente. No terceiro trimestre, a crise externa afetou a confiança, mas não teve efeito mensurável do ponto de vista da atividade."