Título: As reformas de 2007 (IV): a agenda econômica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2006, Opinião, p. A13
Completamos hoje o último artigo da série com propostas de reformas a serem adotadas no próximo governo. O primeiro artigo foi sobre a organização do governo; o segundo, sobre a Previdência; o terceiro, sobre a reforma política; e hoje restou para tratar aqui a agenda econômica (excluindo o componente previdenciário, já discutido neste espaço).
Tal agenda tem dois componentes, cada um deles versando sobre os dois principais elementos da política econômica. O primeiro diz respeito à política monetária e o segundo, à política fiscal.
Com carga tributária elevada e investimento público baixo, querer crescer mais é como pretender correr tendo uma bola de ferro presa aos pés No caso da política monetária, a proposta é que se complete o ciclo de modernização institucional - marcado inicialmente pela profissionalização da gestão monetária, depois pela criação do Copom e finalmente pela adoção do regime de metas de inflação - mediante a concessão de autonomia operacional ao Banco Central. Isso não é "teimosia neoliberal": é uma proposta associada, por mais que soe herético, a uma agenda desenvolvimentista. O desenvolvimento do Brasil passa pelo estímulo ao mercado de capitais e pela constituição de um mercado de crédito de longo prazo. Isso não será possível sem uma boa dose de confiança do público na permanência de uma inflação baixa. A sociedade deve outorgar a um grupo de ciosos "cães de guarda" a tarefa de controlar a inflação através da política monetária, com delegação para tal e competência reconhecida. A permanência da situação atual, em que o BC age com autonomia, porém sem tê-la formalmente, gera a desconfiança óbvia de que, se um cidadão comprar um título prefixado de 10 anos a uma certa taxa e depois o governo decidir inflacionar a economia, o papel pode virar um "mico". No processo de discussão do estatuto da instituição, caberia discutir questões fundamentais como normas de transparência, a atribuição institucional de quem deve definir a taxa de inflação e o valor desta. Se queremos que a estabilidade de preços seja vista como algo permanente, seria bom darmos garantias à sociedade de que as aplicações de cada indivíduo terão o poder aquisitivo preservado, concedendo autonomia ao BC.
No caso da política fiscal, a realidade clama por um "basta" ao processo retratado no gráfico. Os defensores desse tipo de gasto consideraram que ele é a base da possibilidade de alguma coesão social no país. O problema é que é preciso chegar a algum esquema de política que concilie a solidariedade social com os rigores da aritmética. Isto porque a expansão acelerada do gasto corrente está matando o futuro do Brasil. Tivéssemos sabido controlar a evolução do gasto corrente nos últimos 15 anos e hoje estaríamos crescendo como a Coréia. Entre 1991 e 2005, o gasto corrente aumentou entre 7% e 8% do PIB, quase dobrando de tamanho relativo. Duvido que exista algum outro país no mundo onde tenha havido um expansionismo fiscal dessa magnitude. E para que? Para financiar um assistencialismo de péssima qualidade, aumentar a remuneração real das aposentadorias e continuar permitindo a aposentadoria da classe média aos 55 anos. Roberto Campos, costumava dizer que "a idiossincrasia brasileira é incapaz de associar o efeito às causas" (na verdade, a expressão que ele usou não foi "idiossincrasia", mas o termo original não seria politicamente correto). Gastando mal, as conseqüências são óbvias: o investimento, espremido, foi ao chão e a carga tributária, às nuvens. Com investimento público baixo e carga tributária elevada, querer crescer mais é como pretender correr tendo uma bola de ferro nos pés.
Como atacar essa questão? O governo deveria enviar ao Congresso em 2007, uma Proposta de Emenda Constitucional nos termos discutidos no interior do governo no ano passado, contendo cinco dispositivos: 1) prorrogação com alíquotas declinantes da CPMF, para garantir o equilíbrio fiscal na gestão 2007/2010, porém com redução gradual da carga tributária; 2) extensão da DRU até 2015, com aumento também gradual do percentual de desvinculação; 3) limitação do crescimento real da despesa com pessoal a um teto pré-determinado; 4) mudança do mecanismo de vinculação das despesas da saúde, permitindo que estas tenham um aumento real, porém inferior ao crescimento que se espera da economia; e 5) adoção de um teto para as despesas correntes como proporção do PIB, com redução suave do teto ao longo de 10 anos.
A primeira medida será uma exigência das circunstâncias, pois sem ela, em 2008 teremos uma crise fiscal grave. Já as outras criariam as condições para uma expansão do investimento público, concomitantemente a uma redução da carga tributária, pela perda de espaço das despesas correntes no PIB. Esta agenda deveria ter sido discutida com o Congresso em 2005. Sem que tenha ocorrido essa negociação política com P maiúsculo, o país perdeu duplamente. Primeiro porque, na ausência de limites, o gasto continuou avançando mais ainda a sua participação no PIB, sem nenhum benefício em termos de ampliação do potencial de crescimento futuro da economia. E segundo, porque se essa agenda tivesse sido aprovada em 2006, em 2007 seria possível o país debater especifica e intensamente a reforma previdenciária, em vez de misturar essa negociação com a aprovação da CPMF e da DRU. Tal mistura agora será inevitável, o que prejudicará a negociação parlamentar da reforma previdenciária, que será mais lenta devido à presença de agendas múltiplas.