Título: Delírios militares no Oriente Médio
Autor: Jeffrey D. Sachs
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2006, Opinião, p. A13

O paradoxo da atual violência em Israel, Gaza e Líbano é que não é difícil enxergar a solução para o conflito israelense-palestino. Uma grande maioria de israelenses e palestinos é favorável a uma solução baseada em dois Estados ao longo das fronteiras pré-1967. Os principal países árabes, como Egito, Arábia Saudita e outros, compartilham essa visão. O problema está é enxergar a solução, mas em chegar a ela, porque minorias poderosas e freqüentemente violentas de ambos os lados do conflito opõem-se à solução apoiada pela maioria.

Talvez três quartos de israelenses e palestinos estejam ansiosos pela paz e concessões mútuas, enquanto 25% em cada lado - em regra exaltados por fervor religioso extremado - querem vitória total sobre o outro. Radicais palestinos querem destruir Israel, ao passo que radicais israelenses exigem controle sobre toda Cisjordânia, seja mantendo a ocupação ou mesmo (segundo minúscula minoria) pela remoção à força da população palestina.

Quando a paz parece ao alcance da mão, radicais de um ou de outro campo provocam uma explosão para inviabilizá-la. Às vezes, isso envolve conflito explícito entre moderados e radicais em um dos lados, como quando um fanático religioso israelense assassinou o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, quando negociações de paz estavam progredindo. Outras vezes, isso envolve ataque terrorista por radicais palestinos contra civis israelenses, na esperança de provocar uma reação violenta exagerada de Israel que rompa o processo de estabelecimento de confiança entre moderados nos dois campos.

Os moderados travam batalha quotidiana com seus próprios extremistas, para os quais uma solução conciliatória é impossível. Extremistas israelenses insistem em que o objetivo de todos os palestinos é a destruição do próprio Estado de Israel. Eles citam os ataques suicidas a bomba de palestinos e os seqüestros como prova de que a paz com o outro lado é impossível. "Não há parceiros para a paz", diz o refrão.

Os extremistas palestinos insistem em que Israel está simplesmente conspirando para manter sua ocupação em toda a Palestina e que a saída de Gaza, ou os planos anunciados de retirada parcial da Cisjordânia, são ações apenas táticas, sem pretender abrir mão do real controle sobre território, transportes, água, defesa e outros atributos de soberania.

Os extremistas conseguiram barrar a paz porque qualquer ataque de um dos lados provoca, sistematicamente, um violento contra-ataque do outro campo. Repetidamente, os moderados são qualificados de fracos, ingênuos e idealistas. Os extremistas também vendem a sedutora fantasia de que a vitória total é de alguma forma possível, freqüentemente personalizando o conflito. As forças israelenses habitualmente tentam "decapitar" a oposição violenta assassinando líderes palestinos, como se o problema se resumisse a um pequeno número de ativistas, e não devido ao persistente impasse político. Palestinos violentos, por seu turno, propagandeiam que Israel perderá sua coragem diante de outro ataque terrorista.

Em um ambiente tão letal como esse, os detalhes e o simbolismo de um possível acordo resultam, necessariamente, muito distantes. Israelenses e palestinos chegaram perto de um acordo baseado em "terra em troca de paz" no contexto do processo de paz de Oslo. As duas partes endossaram algo semelhante às fronteiras anteriores a 1967, mas o acordo não chegou a ser totalmente fechado, com cada um dos campos acusando o outro de intransigência em relação a um ou outro ponto. Esse acordo poderia ser firmado agora, mas somente evitando o inútil debate sobre a quem coube, no passado, bloquear a paz.

A discussão de detalhes deveria acontecer quando os dois lados concordassem em respeitar às fronteiras pré-67, que são muito reconhecidas em todo o mundo Uma percepção de Tom Schelling, ganhador de um Prêmio Nobel por seu trabalho em teoria dos jogos, é particularmente útil nesse contexto. Schelling identificou a importância prática de um "ponto focal" de negociação como sendo o caminho de progresso até um acordo que esteja ao alcance de negociadores. As fronteiras pré-1967 são o inevitável ponto focal no conflito israelense-palestino. Os dois campos deveriam acordar em princípio com as fronteiras anteriores a 1967 e então permutar pequenas áreas territoriais e definições de controle (especialmente no que diz respeito a Jerusalém) em pequenos e mutuamente convenientes desvios das fronteiras de 1967.

Em outras palavras, a discussão de detalhes deveria acontecer depois que os dois campos concordassem com o princípio do respeito às fronteiras pré-67, que são reconhecidas por importantes países em toda a região e em todo o mundo e estão inscritas em numerosas resoluções da ONU.

A tragédia atual é que estamos recuando desse possível acordo. Israelenses estão, com razão, indignados com o seqüestro de seus soldados por insurgentes apoiados pelo Hamas em Gaza e pelas forças do Hezbollah no sul do Líbano, mas a enorme e desproporcional reação militar de Israel é conveniente para os extremistas.

Cada lado diz que o outro atacou primeiro. Israel recusa-se até mesmo a negociar com o governo palestino liderado pelo Hamas e tenta estrangulá-lo financeiramente e fazê-lo capitular. O Hamas recusou-se a aceitar solução contemplando a coexistência de dois Estados, exceto obliquamente e apenas sob considerável pressão. Mas grande parte da opinião pública palestina defende solução negociada. É fácil atribuir culpas, mas isso a nada leva. O caminho para a paz passa por um acordo em torno das fronteiras pré-1967.

Além disso, os EUA não estão desempenhando papel estabilizador. Também eles estão jogando o jogo dos extremistas, ao combater o terrorismo por meios militares, em vez de políticos. Assim como a guerra no Iraque foi inadequada reação à ameaça da al-Qaeda, a luz verde dada pelo governo Bush para os ataques militares israelenses em Gaza e no Líbano não abre caminho para uma solução real. EUA e outros poderosos atores externos deveriam pressionar os lados a progredir para uma solução em torno de um foco, e não a ficarem imóveis enquanto a violência embarca numa espiral descontrolada.

Hoje, no mundo, a mais poderosa ideologia é a autodeterminação. Enquanto não houver um Estado palestino e um Iraque livre da ocupação americana, os extremistas islâmicos continuarão conquistando recrutas. Represálias militares engrossarão ainda mais suas fileiras, e enquanto suas queixas não forem atendidas, a disseminação da democracia não modificará a equação, porque eles ganharão nas urnas.

Ameaças terroristas deveriam ser combatidas mediante operações antiterrorismo de foco concentrado, ao passo que os moderados deveriam minar o extremismo por meio de soluções políticas negociadas, em vez de falsa fantasia de vitória militar.

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Earth Institute, na colúmbia. © Project Syndicate 2006.