Título: BC faz leilão de linha em dólar e mostra disposição para garantir liquidez
Autor: Campos ,Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2011, Finanças, p. C2
Pela primeira vez desde abril de 2009, o Banco Central (BC) ofertou ontem linhas em dólares para o mercado. A preocupação com a queda sazonal de liquidez em moeda estrangeira, combinada com o ambiente internacional de crise, levou o BC a resgatar esse antigo mecanismo - que consiste na venda de dólares com compromisso de recompra futura.
As instituições financeiras que entraram nos leilões acabaram não comprando nada. Foram ofertados dois vencimentos diferentes, com aproximadamente 30 e 60 dias e o BC rejeitou todas as propostas. A autoridade monetária entendeu que a baixa remuneração oferecida indicou não haver premência de ação desse tipo e não insistiu em fazer outro leilão.
Mesmo não tendo aceitado as ofertas, o anúncio do leilão de linha ajudou a acelerar a queda do dólar ontem. A moeda americana fechou ontem valendo R$ 1,861, queda de 0,69%. Isso porque, na avaliação de profissionais, a operação foi importante para sinalizar ao mercado que ele está presente e que atuará caso haja uma restrição de liquidez em dólares no mercado brasileiro - o que, observa o tesoureiro de um banco, ainda não aconteceu.
A avaliação de agentes de mercado é de que a ação do BC teve caráter preventivo. Segundo um tesoureiro, não há neste momento falta de linhas nem taxas muito elevadas no mercado. "Normalmente o governo dá liquidez no fim de ano em função do aumento sazonal de remessas", disse.
A redução de exposição por parte dos bancos internacionais é normal nesta época do ano. As instituições sempre querem encerrar o calendário com seus "balanços mais leves", diz essa fonte. Além disso, a receita das exportações cai enquanto que crescem as remessas de lucros e dividendos.
Mas obviamente esse movimento está mais acentuado agora por conta da crise. Afinal, o ingresso de recursos externos, já mostrou retração neste final de ano. Na quarta-feira, o BC mostrou que o fluxo cambial até o dia 9 tinha sido negativo em US$ 424 milhões. Com isso, a posição comprada dos bancos no mercado à vista cai para cerca de US$ 500 milhões.
Por tudo isso, profissionais viram como importante o sinal dado pelo BC ontem. "O BC disse para o mercado: "eu estou aqui". E com isso evita algum movimento de pânico." Para alguns especialistas, essa preocupação com a liquidez este ano pode estar mais intensa por causa dos efeitos das medidas cambiais adotadas há alguns meses pelo governo com o objetivo de conter a valorização do câmbio, como Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre captações de curto prazo, restrição à posição vendida no mercado à vista e IOF sobre posição vendida em câmbio. "Isso tudo foi um grande erro. O governo mirou o especulador, mas pegou todo mundo que tem compromissos em moeda estrangeira. Como exportadores, importadores e multinacionais", disse.
Essa não é a primeira vez que se evoca o fator sazonal para chamar leilões de venda conjugados com leilões de compra de dólar. Nas viradas de 1999 para 2000 e daí para 2001, quando esse mecanismo já existia com regras com pouquinho diferentes, o BC usou a mesma justificativa.
A diferença é que, naquelas ocasiões, o motivo foi explicitado no próprio comunicado do Depin, departamento do BC que cuida das intervenções no mercado de câmbio via reservas cambiais.
Leilões conjugados foram bastante utilizados também para prover liquidez em 2002, já com o modelo de hoje, mas não por questões de sazonalidade. O BC ainda recorreu a esse instrumento em 2008 e 2009, ao reagir à crise internacional de liquidez, que cortou linhas de financiamento às exportações do país.
Apesar de não ter havido negócios, o episódio de ontem serviu para deixar mais claro que a autoridade monetaria está disposta a lançar mão de suas reservas cambiais para assegurar liquidez em moeda estrangeira ao mercado e, assim, evitar volatilidade excessiva da taxa de câmbio.
Em setembro, o BC já tinha invertido a mão da política cambial, parado de comprar dólares e passado a agir no sentido de elevar a oferta de moeda estrangeira no mercado de câmbio. Mas até ontem não tinha adotado nenhuma medida envolvendo uso de reservas cambiais.
No último dia 14, as reservas do BC estavam em US$ 350,97 bilhões, pelo conceito de liquidez internacional, o mais conhecido. Nesse conceito, que considera aplicações de curto prazo, o saldo não seria afetado na hipótese de sucesso dos leilões. Mas no conceito de caixa, efetivamente haveria impacto, pelo menos até a moeda vendida voltar ao BC.
Parte dos dólares voltariam dia 18 de janeiro e outra em 16 de fevereiro, se os leilões tivessem vingado. (Colaborou Fernando Travaglini)