Título: Exportação de calçados brasileiros para a Argentina ficará mais difícil
Autor: Felício,Cesar
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2011, Brasil, p. A2

O maior controle do governo argentino sobre importação de bens manufaturados deve fazer pelo menos uma vítima em 2012: é cada vez pior a perspectiva para a exportação de calçados brasileiros para a Argentina. O acordo entre o setor privado dos dois países, que permitia a exportação anual de 15 milhões de pares, não deve ser renovado para o próximo ano. "O acordo não deu certo e não vejo como se possa encaminhar uma negociação neste momento", comentou o diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein.

A cota mais uma vez não será atingida. Entre janeiro e novembro, foram vendidos 13,3 milhões de pares, segundo dados da entidade brasileira, ante 13,5 milhões no mesmo período do ano passado, mas boa parte da mercadoria demora mais de 60 dias para ingressar na Argentina. Segundo a Abicalçados, nenhuma licença foi concedida na semana passada e há 1,9 milhão de pares aguardando liberação na aduana. No ano passado, foram vendidos 14,1 milhões de pares. Em 2009, primeiro ano de vigência da cota, foram 12,9 milhões. Em 2008, antes da cota, eram 18 milhões.

As exportações brasileiras de calçados são cada vez menos relevantes na balança comercial bilateral. Representam menos de 1% do total vendido pelo Brasil para a Argentina - US$ 21 bilhões nos 11 primeiros meses de 2011 -, mas se tornaram estratégicas para o setor calçadista nacional: em função da retração no mercado americano, a Argentina se tornou este ano o principal mercado em volume exportado, com pouco mais de 13% do total das vendas.

O desempenho da indústria calçadista argentina é citado pelo governo local como o exemplo de maior êxito na política de substituição de importações. Nos últimos quatro anos, o mercado argentino de calçados cresceu de 124 milhões para 136 milhões de pares e a produção local subiu de 94,6 milhões para 115 milhões de pares.

A participação de importados no mercado argentino caiu de 26% para 17% do consumo, sendo 57% desse total proveniente do Brasil. "Este resultado jamais teria sido obtido sem as medidas de proteção adotadas pelo governo", disse o economista Horacio Lazarte, da empresa de consultoria econômica Abeceb.

Até este ano, as políticas de substituição de importações, que também atingiram outros setores exportadores brasileiros, como o de eletrodomésticos da linha branca e o de toalhas, eram coordenadas pela ministra da Indústria, Débora Giorgi, e tinham como um de seus fundamentos a geração rápida de postos de trabalho e a reativação do parque industrial atingido pela crise de 2001.

Com a reeleição da presidente Cristina Kirchner em outubro e o agravamento do cenário externo, a prioridade passou a ser a preservação do saldo comercial, que é essencial para a situação fiscal da Argentina, sem fontes de financiamento no mercado financeiro internacional e gastos públicos crescentes.

Este ano, a Argentina deve ter um superávit de US$ 11 bilhões. Com o desaquecimento global da economia no próximo ano e a retração na cotação da soja, as projeções mais otimistas situam o saldo comercial argentino no próximo ano em US$ 8 bilhões.

Com o início do segundo mandato, Cristina criou a Secretaria de Comércio Exterior, subordinada ao Ministério da Economia, e retirou atribuições dos ministérios da Indústria e de Relações Exteriores. Nomeou para o cargo a economista Beatriz Paglieri, ligada ao secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, encarregado do controle de preços no país.

"Tudo o que tem a ver com o comércio exterior está relacionado a questões fiscais, que precisam estar absolutamente coordenadas", disse Beatriz, no primeiro pronunciamento após ser empossada. A secretaria também irá centralizar a aplicação de instrumentos como as licenças não automáticas e o estabelecimento de cotas para a exportação de grãos, medida que afeta diretamente o interesse de importadores brasileiros, sobretudo os da indústria moageira.

O governo argentino deverá preservar em 2012 as exportações brasileiras de insumos, como minério de ferro e energia, e nos setores em que existe uma integração na cadeia produtiva entre as empresas instaladas nos dois países, como no setor automotivo. De longe, são esses os itens de maior peso na pauta de vendas do Brasil para a Argentina.

As exportações de autopeças, carros, motores e veículos de carga somaram 34% do total até novembro. Insumos minerais, combustíveis e energia elétrica alcançaram 12%. Devem ser atingidas as vendas de produtos finais em que o fluxo existe só em uma direção. Mas os especialistas argentinas não apostam em uma guerra comercial entre os dois países.

"O próprio esfriamento da economia argentina no próximo ano deve fazer com que haja alguma retração no consumo e uma queda nas importações", afirmou o economista Ramiro Castiñera, da consultoria Econométrica. Em 2009, a Argentina conseguiu um superávit comercial de US$ 16 bilhões, devido à retração no PIB de 2% e de muitos atritos com os exportadores brasileiros. Dessa vez, poucos acreditam na repetição do cenário.

"O interesse estratégico do governo argentino é o de combinar ações conjuntas com o Brasil para bloquear importações de países de fora do Mercosul. As importações da Ásia devem ser as mais atingidas", disse Castiñera.